tag:blogger.com,1999:blog-39316333484527061962024-03-13T14:12:13.514-07:00Palavras InconjuntasArte, poesia e filosofia: uma homenagem a Alberto CaeiroAna Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.comBlogger14125tag:blogger.com,1999:blog-3931633348452706196.post-20108917332437374582014-05-26T15:46:00.000-07:002014-05-26T16:23:03.219-07:00As brechas do político: de Le Pen a Francisco<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_Mp6jJWR_b6i-kL9yw0_VBCzsvYKDn4S2dzE_8B23rpwBCjMeqfV6-_phQCfjHVHlLRdLkovZMlRx1DbICndUR2upcfmUeM5qbefE1735vN5UR2fbUBqCjotgadiVTAgMKUiZ13RvQmMz/s1600/Le+Pen.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_Mp6jJWR_b6i-kL9yw0_VBCzsvYKDn4S2dzE_8B23rpwBCjMeqfV6-_phQCfjHVHlLRdLkovZMlRx1DbICndUR2upcfmUeM5qbefE1735vN5UR2fbUBqCjotgadiVTAgMKUiZ13RvQmMz/s1600/Le+Pen.jpeg" height="213" width="320" /></a></b></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVgSOamIIQlMBKjI_IC39arTPoqDeBwcPZLqJ2ClOknrgr8l3QjwZ_Rfhm-2soIejKhclw6J_5PGXaM7CB_xWekMMvMW6W8mIU8Nejdbgs1wtn6UT_lCqZknY0Jjh7KMxXH5a7mpHM8o1R/s1600/Francisco.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVgSOamIIQlMBKjI_IC39arTPoqDeBwcPZLqJ2ClOknrgr8l3QjwZ_Rfhm-2soIejKhclw6J_5PGXaM7CB_xWekMMvMW6W8mIU8Nejdbgs1wtn6UT_lCqZknY0Jjh7KMxXH5a7mpHM8o1R/s1600/Francisco.jpg" height="212" width="320" /></a></b></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
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<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: large;"><span style="font-weight: normal;"><span style="line-height: 115%;">Os resultados das eleições europeias são preocupantes, quase
todos nós já percebemos isso, pelo menos aqueles que ainda têm o bom senso de
se preocuparem com o mundo que os rodeia. São alarmantes, pelo menos parece-me,
a dois níveis: no primeiro, pela evidência do descrédito dos eleitores (na
maioria dos países europeus) em relação à classe política, simplesmente, calando
a sua voz. Quando o que está apenas em jogo na política, para a maioria das
pessoas, é a vida e não o mundo, invertendo a máxima arendtiana, de pouco nos
vale, pensamos, participar politicamente. Guardemos ainda (isto dito em tom de
ironia) o que podemos salvaguardar para nós próprios, pelo menos o nível da
sobrevivência. «Queremos as nossas vidas» dizia o lema contra a Troika que
circulou em Portugal durante vários meses. E é precisamente este nível de
sustentabilidade económica e do medo que temos que os outros roubem aquilo que
é nosso, que conduz ao segundo nível que nomeei também ele de alarmante: o do
crescente pensamento «cerquista» de guardar as nossas casas, as nossas nações,
os nossos iguais (os nossos) e com essa similitude assistir passivamente à ascensão
da extrema-direita em países-chave da União como a França e a Alemanha. «É
preciso que a França vá ao encontro daqueles que sofrem» dizia Marine Le Pen
nas anteriores eleições presidenciais francesas em 2012, as quais perdeu a
desfavor de Hollande, ficando ainda atrás de Sarkozy. Mas Le Pen sabe-o bem, e
todos percebemos, é preciso que «aqueles que sofrem» sejam franceses
e não de uma outra qualquer nacionalidade. A senhora sempre frisou isso muito
bem: a França é para os franceses que sofrem, não para um qualquer ser humano
que sofra. Mensagem recebida!</span></span></span></span></div>
<span style="font-family: Georgia,"Times New Roman",serif;"><br /></span>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: large;"><span style="font-weight: normal;"><span style="line-height: 115%;">Logo ao início deste texto, partilhei convosco duas imagens
que me fizeram refletir muito durante todo este dia. A foto da gargalhada
desabrida de Marine Le Pen após a vitória do seu partido nas eleições de ontem
e a lição do Papa Francisco encostado ao muro da Cisjordânia hoje em Israel. Não
percebi bem se estava do lado de Israel ou do lado (do designado Estado-não
membro pela ONU) da Palestina. Pois é, saberemos nós de que lado estamos quando
estamos diante de um muro? De quanto mais tempo vamos precisar para perceber
que o universal, como dizia o nosso grande poeta Miguel Torga, é o local sem os
muros? Sem as fronteiras, sem as barreiras? A memória curta, a falta de
consciência histórica que hoje tantos criticaram, de que não nos lembramos da
nossa própria história, de que isto vai pelo mau caminho, está ali bem cimentada
naquele muro da Cisjordânia, que não deveria sequer existir. Tenhamos
esperança de que daqui a alguns anos esteja um pedaço dele ao lado do pedaço do
muro de Berlim que está em Portugal, precisamente no Santuário de Fátima.
Francisco deu-nos a lição que todos nós, os europeus, precisávamos, uns
perceberam a mensagem, outros não. Mensagem recebida! </span></span></span></span></div>
<span style="font-family: Georgia,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: large;"><br /></span></span>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia,"Times New Roman",serif;"><span style="font-size: large;"><span style="font-weight: normal;"><span style="line-height: 115%;">Há bem pouco tempo vi o filme dedicado à vida de Ghandi, no
qual, no final, ele diz muito simplesmente que a verdade acaba sempre por se
revelar historicamente. Vem ao de cima! Por muito sangrenta que seja a guerra, por muito
doloroso que seja o mal, o bem acaba sempre por manifestar-se, na sua pequena
clareira, ou melhor diria, na sua brecha. É preciso admitir essas brechas no discurso
político, é preciso que elas nele irrompam e que o desconstruam se tal for
necessário. Até John Rawls, um dos mais incontornáveis filósofos políticos do
século XX, o admitia. É preciso que onde a razão pública falha, isto é, onde ela não chega ou alcança,
outros discursos como o religioso, o poético ou o artístico, tenham ainda uma última
palavra a dizer. Por isso, relembrava Rawls, Lincoln lançava quase sempre mão
de textos das Escrituras para se posicionar francamente contra a escravatura
que dizia ser desumana. Ninguém deveria viver simplesmente para sobreviver. Ninguém deveria fazê-lo. Mas alguns fazem-no e até voluntariamente. Assim e enquanto não percebermos que na política o que está
em jogo é o mundo e não a vida, agora sim com Hannah Arendt, o preço que
pagamos por essa dedicação única à sobrevivência será certamente alto. Será certamente o
preço da própria vida, que não têm preço, mas sim dignidade. Mensagem recebida?</span></span></span></span></div>
Ana Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3931633348452706196.post-29636880029665912792012-10-02T15:30:00.000-07:002012-10-02T16:06:48.213-07:00Crescimento ou decrescimento? A proposta filosófica de Serge Latouche<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEie91ZwrZQzb3r-4rrl8hXEcYnEbMfF1YpXa8BdCqmiWGcWyN2SGZO3Vsjt1Fv0b5FRkX_A39wRHwaL3yTJNqIzMNe9MtDAcOJWT9ihCzmnKqYD38mVBh2wCCIg0697QAHv8h22TlyRSMie/s1600/Maria+Helena+Vieira+da+Silva.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEie91ZwrZQzb3r-4rrl8hXEcYnEbMfF1YpXa8BdCqmiWGcWyN2SGZO3Vsjt1Fv0b5FRkX_A39wRHwaL3yTJNqIzMNe9MtDAcOJWT9ihCzmnKqYD38mVBh2wCCIg0697QAHv8h22TlyRSMie/s320/Maria+Helena+Vieira+da+Silva.jpg" width="243" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif; font-size: large;"><br /></span>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="font-size: large;">No passado dia 25 de setembro, um conjunto de intelectuais espanhóis - Victoria Camps, Adela Cortina e José Luis Delgado - publicou no jornal El País um precioso documento de opinião, do Círculo de opinião cívica, sobre a realização de uma democracia de qualidade perante os tempos de fratura, de crise, que hoje vivemos: “Democracia de calidad frente a la crisis” versa o título. Sabemos que os nossos tempos são descarnados disso mesmo: de tempo, de tempo de qualidade, em que a memória e a demora possam ter efetivamente lugar. Tudo é novo e acelerado. Ouvir os outros, escutá-los, reconhecê-los enquanto mestres da justiça, como diria Ricoeur, parece hoje ser mais difícil do que nunca. A pretensa liberdade, a duras penas conquistada e a bem da segurança própria, parece hoje mais ameaçada e insegura do que nunca, mais fugaz e desenraizada, desvinculada de si e dos outros. Esquecemo-nos de muita coisa: do mundo, dos outros, da natureza ou, com Ortega y Gasset, da circunstância. </span><span style="font-size: large;">A expensas de uma independência capaz, auto-suficiente, desembocámos na fragilidade, no tédio e no medo - não sabemos é bem de quem e do quê. A nossa vida parece controlada de fora, embora dentro de um mundo onde tudo se globalizou. Um mundo sem arredores. Sem fronteiras. Um mundo onde não sabemos bem quem somos e muito menos quem devemos respeitar, o que devemos respeitar e porquê. Um mundo onde tudo parece estar permitido e certo. A sociedade de informação, desinformou-nos, a sociedade do conhecimento, toldou-nos. Ambas aguardam serenas que o capitalismo passe despercebido, que as pessoas se submetam cada vez ao totalitarismo do consumo e à sua lógica de crescimento infinito, baluarte do liberalismo - não social, mas desleal. Todos acusamos o governo, todos acusamos as estruturas do poder e as suas instituições, mas esquecemo-nos de que a verdadeira revolução deve primeiro acontecer dentro de nós, ganhar sentido e sentidos de singularidade e depois, aí sim, expandir-se numa nova conceção e ação do bem comum, da partilha daquilo que nos é comum. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>No documento do Círculo de opinião cívica espanhol, que poderia bem ser português ou europeu, o primeiro e o último princípio de uma democracia de qualidade, assim verdadeiramente apelidada, pressupõem precisamente a busca e a partilha do bem comum. O primeiro: perseguir um bem comum: e o segundo: construir um quadro de valores comuns. O filósofo parece deixar de pregar no deserto e aos poucos vai fazendo com que o seu humanismo se adentre nos meandros da política económica ou, melhor, da economia que se serve da política para se servir. Para servir interesses privados, fins privados, que se servem do capital de todos para usufruto e lazer próprios. Sem ética, sem moral, sem atenção à circunstância. Sem responsabilidade pelas suas ações, venham elas do campo da economia ou da política, lugares sociais onde um pedido de desculpas assinado em nome próprio parece sarar quase tudo. Mas não sara. O povo tem voz, embora as massas nem sempre tenham verdadeiras alternativas, assumidas e respeitadas por todos, pensadas com cabeça, tronco e coração, contra a lógica de mercado em que estamos mergulhados, adormecidos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Porém, o que fazer contra todo este estado de coisas e de pessoas? Contra as crises, as fraturas, os deficits que não conhecemos bem e que nos parecem distantes e incontroláveis? </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Uma das primeiras atividades a promover é o pensamento. Pensar, ponderar, averiguar, discernir, pesar o que se passa de mau e o que pode vir a piorar, ou melhor, a melhorar tendo em conta a concorrência da nossa ação. O liberalismo económico é hoje o mal menor das sociedades. O seu capitalismo é maleável a todas as realidades políticas: democracias, oligarquias, ditaduras, imperialismos e afins. É como um polvo sem nome que manobra a sociedade e que nos inclui a todos nessa inversão. E nessa transmutação de todos os valores, inclui o significado da nossa vida, o sentido que lhe damos ou que neste caso esquecemos de lhe dar. Imersos na segurança do consumo, no supérfluo criado necessidade, deixamos de saber reconhecer o valor real das coisas, dos objetos e caímos na linearidade do progresso, na busca desenfreada de mais desenvolvimento, até mesmo do mais supérfluo existente. Ainda hoje passou uma reportagem na televisão sobre um hotel de luxo para cães inaugurado há poucos dias em Nova Iorque. Eu não tenho nada contra os animais, pelo contrário, mas o meu humanismo filosófico, embora não antropocêntrico, sentiu-se atingido perante aquela barbaridade, na falta de um adjetivo pior. Sinceramente. Seria bom crescermos um pouco em humanidade e vermos toda aquela informação com olhos de ver. Verdadeira injustiça, inumana contradição. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Temos de facto ainda muito para aprender com a filosofia, com as humanidades e o seu saber. A filosofia não é dona da verdade absoluta, nunca o será; mas pelo menos ajuda-nos e auxilia-nos a perceber o seguinte: o humanismo não é uma alternativa às sociedades da ciência e da técnica, não é uma alternativa à tecnociência. O humanismo é um bem de primeira necessidade que deve, a todo o momento, tentar e conseguir examinar os pensamentos apoucados de uma visão economicista do homem. A filosofia não tenta somente responder à pergunta quem é homem?; tenta também responder à pergunta quem somos nós? e nessa demanda conseguir esclarecer os caminhos efetivos do bem comum, do que nos une e é nosso, além de “meu”. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;">A propósito desta temática, terminei hoje de ler o livro <i>Pequeno tratado do decrescimento sereno</i> de Serge Latouche, leitura viva que aconselho vivamente. O livro é de uma clareza colossal sem deixar de ser pertinente ou im-pertinente. É conciso, sem deixar de colocar em causa a sociedade consumista de hoje do ponto de vista do humanismo. Tal como o autor defende, o decrescimento é um projeto político que põe em causa o capitalismo, mas não só. Vai além de Marx, criticando-o. Latouche diz que é impossível ser contra o capitalismo e a favor do desenvolvimento baseado na lógica de uma economia de mercado. Precisamente porque é a lógica do progresso técnico-científico que coloca em marcha e sustenta o capitalismo. Marx não se apercebeu disso e continuou a demanda iluminista de mais e melhor progresso, continuou o sonho de um homem liberto da produção e do trabalho. Não podemos ter desejos ou necessidades infinitas num mundo finito, num mundo que pode colapsar pela lógica errada do crescimento: "Os ganhos de produtividade foram sistematicamente transformados em crescimento do produto, e não em decréscimo do esforço." Não existe mais a ideia de um homem liberto do trabalho como queria Marx, existe sim o homem subjugado ao trabalho sedento de mais e mais consumo (todos, também me incluo).</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;">Nesse caso, como invertemos esta sede desenfreada de mais capital? De crescimento infinito e seguro num mundo finito e inseguro? Latouche responde: "temos de voltar a reencantar o mundo" a respeitá-lo na sua unicidade. Temos de voltar a valorizar o mundo, a vida, as coisas e as pessoas, sem as banalizar. Pensar que a amizade e o conhecimento são bens comuns que devemos partilhar. São sabedoria prática e teórica comum que precisamos de promover para nosso próprio bem e para o bem da nossa comunidade e, acima de tudo, a bem da continuidade do nosso mundo. A Terra é finita, os nossos anseios e desejos infinitos. Por esse motivo e para terminar, Serge Latouche vai ao encontro das palavras de Kenneth Boulding, também economista, e diz o seguinte: </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;">“Num artigo de 1973, [Boulding] opõe a economia do cow-boy, em que a maximização do consumo se baseia na predação e na pilhagem dos recursos naturais, à economia do cosmonauta, “para a qual a Terra se tornou um veículo espacial único, não possuindo recursos ilimitados, seja para dela os retirar, seja para nela vazar os seus poluentes.” Quem acreditar que é possível o crescimento infinito num mundo finito, conclui ele, ou é louco ou economista.” </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;">O decrescimento é um projeto político, uma utopia humana concreta, porque humanista, que visa restabelecer os vínculos de sentido entre a natureza e os seres humanos e dos seres humanos entre si, procurando assim vencer “a banalidade económica do mal”. Ultrapassar o estilo de vida que o consumismo impõe, e ao qual de bom grado vamos aderindo, pressupõe pensar e avaliar, sóbria e serenamente, outras formas de habitar a realidade e, por sua vez, habitá-las. Uma leitura que obriga a uma releitura nem que seja de nós próprios. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Ana Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3931633348452706196.post-48622153013156865482012-08-11T08:01:00.003-07:002012-08-11T08:12:51.354-07:00Antes da Partida<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZQKSmAE2H2TKrY__lJCg5pyEPCorhUTzluI-0KjIsbczcJsHsrK6VEltNBxzge7bselep3vY__csUOA0hOFV85rqdkDuC7CJe9DemjgRxffJkj92Iy7JWQ8eGSHgKRwhKFikTMIGxJ78t/s1600/PR.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZQKSmAE2H2TKrY__lJCg5pyEPCorhUTzluI-0KjIsbczcJsHsrK6VEltNBxzge7bselep3vY__csUOA0hOFV85rqdkDuC7CJe9DemjgRxffJkj92Iy7JWQ8eGSHgKRwhKFikTMIGxJ78t/s320/PR.jpg" width="231" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"> Paula Rego, <i>À janela</i>, 1997</span></div>
</div>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><br /></span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">"Nas estações de comboios do centro,</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">por onde passam os do norte a caminho do sul, os do sul</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">a caminho do norte, os de leste para oeste e</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">os de oeste para leste, e todos em toda</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">e nenhuma direcção, vendem-se jornais de todas</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">as línguas possíveis. Volto os escaparates</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">para ver os títulos, toco nos papéis, entre</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">os bons e os maus, os ricos e os pobres, os que</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">trazem suplementos e os que se limitam a poucas</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">páginas de informação e anúncios: e cada um</span></span></h3>
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<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">desses jornais é um mundo, vidas a que nunca terei acesso, </span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">histórias que começam e acabam numa coluna</span></span></h3>
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<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">interior, em meia dúzia de linhas. Sei, no entanto</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">que o amor e a morte, apesar das línguas diferentes, </span></span></h3>
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<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">são os mesmos em cada uma dessas notícias; que</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">as tragédias e as alegrias se contam com o mesmo</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">estilo, e só o título dá ênfase à emoção</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">que desaparece com a leitura. Não preciso, por isso,</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">de ler todos os jornais, de uma ponta à outra, </span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">nem de </span><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">saber todas as línguas do mundo, para conhecer</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">a realidade do homem. No entanto, ao rodar </span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">os escaparates, sem olhar de facto o que eles mostram, </span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">apenas para misturar emoções e frases, palavras</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">e imagens, faço rodar um dia inteiro, sem saber porquê</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">ou apenas porque é esse, finalmente, </span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">o movimento do mundo."</span></span></h3>
<h3>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><br /></span><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Nuno Júdice, <i>O movimento do mundo</i>, p. 120. </span></span></h3>Ana Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3931633348452706196.post-49674234999398638702012-04-09T09:57:00.000-07:002012-04-09T10:00:34.288-07:00Economia sem ética ou economia sem pessoas?<br />
<h3>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7tMADYvAiuQPbnThpxxE2wFIKlG6cDZjHy9j6pJ2056A2_kL7MEa3i7lEAcmTWg4mh-vMx8GM7ysd73HFhbRn3xxoOA5tnFQp_w6GmDiXU4ukm1k5QytBpQrPn-mimvzGymsvjeCNhQRh/s1600/vangogh-shoes.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7tMADYvAiuQPbnThpxxE2wFIKlG6cDZjHy9j6pJ2056A2_kL7MEa3i7lEAcmTWg4mh-vMx8GM7ysd73HFhbRn3xxoOA5tnFQp_w6GmDiXU4ukm1k5QytBpQrPn-mimvzGymsvjeCNhQRh/s320/vangogh-shoes.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-weight: normal;"><br /></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-weight: normal;"><span style="font-size: large;">Sapatos, Vincent Van Gogh</span></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-weight: normal;"><span style="font-size: large;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-weight: normal;"><span style="font-size: large;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-weight: normal;">Num artigo publicado no Jornal El País, intitulado “Economía sin ética", Adela Cortina acusa e critica o modelo moderno de economia empresarial, uma economia “sem pessoas”, que foi paulatinamente esquecendo a sua responsabilidade para com a sociedade afastando-se cada vez mais dela em prol do lucro, do consumo. Este parece ser hoje o único caminho feliz, conducente à boa vida, não à vida boa. E passamos do grande irmão ao grande engano…. Por sua vez, </span><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-weight: normal;">Cortina diz o seguinte e pergunta: </span></span></div>
<span style="font-weight: normal;"><span style="font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span></div>
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><div style="text-align: justify;">
“En el documento de la última cumbre del G-20, los líderes mundiales hacen una afirmación asombrosa: “Reconocemos la dimensión humana de la crisis”. Pero ¿es que ha existido alguna vez una actividad económica sin dimensión humana? ¿No es cierto que la economía ha de ayudar a construir una buena sociedad y, cuando no lo consigue, fracasa rotundamente, teniendo en cuenta que esa buena sociedad hoy ha de ser mundial?”</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</span><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><div style="text-align: justify;">
A bota que sempre nos quiseram calçar, aquela que pretendia maximizar a felicidade para o maior número de pessoas através dos bens materiais, da riqueza económica bem distribuída gastou-se, falhou. E hoje reconhece-se “a dimensão humana da crise”. Voltemos então às pessoas e esqueçamos a economia. A crise é bem mais profunda e incide precisamente no “modelo” de pessoas, na mentalidade que sempre lhes incutimos durante anos e que agora queremos transmutar. Por isso, e para além de uma economia sem ética, sem uma forma certa de distribuir coisas, devemos antes falar de uma economia sem pessoas, ou seja, sem uma forma certa de valorizar as coisas, sem capacidade para estabelecer a fronteira entre o necessário e o supérfluo, a boa vida e a vida boa. Tal como refere Adela Cortina, a economia tem por obrigação ajudar a construir uma boa sociedade, a emancipá-la, e não recorrer à redução, ao esvaziamento do pensar em prol da estandardização do ser humano, da própria sociedade esquecendo a responsabilidade. É esse o “modelo” filosófico, tão fácil de absorver, que está por detrás de uma economia de mercado. Libertar as pessoas de uma certa forma de obediência que as obrigue a pensar nos outros, em responsabilizar-se por eles, eclipsando-se do mundo. Já diz Zizek no seu livro Viver no fim dos tempos e di-lo mais ou menos assim: façam donativos para os meninos pobres de África, já que esse donativo ajudar-vos-á a não pensarem na causa efetiva da pobreza. Contribuam, mas não pensem, não apontem o dedo, essa crítica não vos levará a lado nenhum. </div>
</span><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><div style="text-align: justify;">
É interessante que enquanto lia este artigo de Cortina que convosco partilho, estava ao mesmo tempo a reler o livro Justiça: fazemos o que devemos? de Michael Sandel. Um livro cujo tom reflexivo tenta enlaçar justiça e bem comum, direitos e deveres, ou se preferirem, economia e responsabilidade. Segundo Sandel devem existir sempre brechas tanto no discurso político quanto no discurso económico. A justiça como distribuição de bens deve ser colmatada pela visão de que a justiça é um bem, o maior dos bens, e não deve estar somente sujeita ao discurso legal ou legítimo dos direitos humanos e das suas distintas gerações. Essa brecha é alinhavada pela crítica e pelo empenho moral, os quais devem ser sempre parte integrante da pergunta pela justiça. À custa de tanto delegarmos as nossas decisões morais nos outros, temos vivido de facto muitos dramas pessoais. Esquecemo-nos de que a “costura” da justiça é singular, humana, pressupõe um cerzir que é só nosso e, portanto, insubstituível. Mas será que temos assim tanta margem de manobra, ou de ação, para sermos singulares? Humanos? Para decidir moralmente? Para ser pessoa, independentemente da política ou da própria economia? Em suma, será que sabemos fazer a coisa certa, apesar do errado que nos rodeia e consome? Consome no consumo?</div>
</span><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><div style="text-align: justify;">
“Fazer a coisa certa”. É esse o dilema que Sandel nos propõe no início da obra Justiça: fazemos o que devemos? Inicia-a com a reflexão acerca do furacão Charley que se abateu sobre a Florida em 2004. “Após a tempestade vêm os abutres” rezava o USA Today. E expressava-o porque, após a tempestade, houve um aumento brutal na especulação dos preços: 23 mil dólares para retirar uma árvore do telhado de uma casa, 500 doláres por um quarto de hotel, onde o normal seria a cobrança de 40 doláres, entre outros episódios. Aqui não se fez a coisa certa. Independentemente do sofrimento e das necessidades das pessoas os preços aumentaram levando ao desespero e à ira pública de muitos. Indignação. Bem diz Aristóteles na Ética a Nicómaco que a ira é o exemplo paradigmático das emoções e o primeiro motor da justiça, ou seja, o despertar “cardíaco” e emocional perante a injustiça. Quem se aproveita desta especulação “não tem coração” perante o sofrimento das pessoas, apenas vê números e essa é a situação alarmante que hoje se perpetua: se os outros fazem porque é que eu não hei-de fazer? Não vale mais a pena sermos todos injustos, já que o mundo é já de si injusto? Economia sem pessoas?</div>
</span><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><div style="text-align: justify;">
Em todo o caso não precisamos de ir à Florida para exemplificar este distanciamento entre mercado livre e humanidade. Basta pensarmos no caso português quanto ao aumento constante do preço dos combustíveis. O governo português sabe que esta situação asfixia pessoas e empresas, mas nada pode fazer, diz. Alheia-se da situação com o argumento do Estado mínimo que tudo privatiza, enquanto guarda nos seus cofres as contribuições das gasolineiras, pagas por nós. Concorrência não existe, mas cartelização há muita e já todos nos apercebemos disso. Os bancos continuam a ter lucros exorbitantes, as gasolineiras também. E eles próprios o expressam embora sub-repticiamente: das pessoas eclipsemo-nos, até porque elas já se eclipsaram de si próprias. Perderam não só a sua casa (oikos), mas igualmente a sua morada (êthos). Tudo se globalizou e mundializou. E a singularidade estilhaçou-se. E essa é, a meu ver, a pior de todas as crises. A crise que afecta a nossa individualidade nos interstícios da globalidade. Que esquece e engole, por antonomásia, o homem comum. E não quero com isto dizer que o social não seja importante, mas se não formos capazes de a partir da nossa liberdade colocar as regras do jogo em jogo, criticá-las, a “choldra ignóbil”, para lembrar Eça, continuará a comandar-nos e comandará sempre.</div>
</span></span></span></h3>
<h3 style="text-align: center;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><span style="font-weight: normal;"><br /></span></span></h3>Ana Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-3931633348452706196.post-29521240178353855602012-04-01T07:21:00.001-07:002012-04-01T10:11:28.399-07:00Poema Verniz - Mia Couto<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhFUHYur3dMA8jF5mKEnGP0HHDUyMhVKo3eBIKCebRab7FO78_Ucn4jcvKEdbAdiO3uKWrjxe18I14xsZrKgZCzZW24qPreRgoML1pSQ2GMUQY3SpFmgaiUdcHVeVky2a1F4yum1j_XGinm/s1600/Giorgio-de-Chirico-Canzone-Meridionale-33530.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhFUHYur3dMA8jF5mKEnGP0HHDUyMhVKo3eBIKCebRab7FO78_Ucn4jcvKEdbAdiO3uKWrjxe18I14xsZrKgZCzZW24qPreRgoML1pSQ2GMUQY3SpFmgaiUdcHVeVky2a1F4yum1j_XGinm/s320/Giorgio-de-Chirico-Canzone-Meridionale-33530.jpg" width="261" /></a></div>
<div style="background-color: white; border-bottom-color: initial; border-bottom-style: none; border-bottom-width: medium; border-left-color: initial; border-left-style: none; border-left-width: medium; border-right-color: initial; border-right-style: none; border-right-width: medium; border-top-color: initial; border-top-style: none; border-top-width: medium; color: #6b6b6b; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 20px; text-align: center;">
<span style="color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px; text-align: left;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; border-bottom-color: initial; border-bottom-style: none; border-bottom-width: medium; border-left-color: initial; border-left-style: none; border-left-width: medium; border-right-color: initial; border-right-style: none; border-right-width: medium; border-top-color: initial; border-top-style: none; border-top-width: medium; text-align: center;">
<span style="color: #333333; font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><span style="line-height: 18px;"><b>Canção Meridional, Giorgio de Chirico</b></span></span></div>
<div style="background-color: white; border-bottom-color: initial; border-bottom-style: none; border-bottom-width: medium; border-left-color: initial; border-left-style: none; border-left-width: medium; border-right-color: initial; border-right-style: none; border-right-width: medium; border-top-color: initial; border-top-style: none; border-top-width: medium; color: #6b6b6b; line-height: 20px;">
<span style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span></span></div>
<div style="background-color: white; border-bottom-color: initial; border-bottom-style: none; border-bottom-width: medium; border-left-color: initial; border-left-style: none; border-left-width: medium; border-right-color: initial; border-right-style: none; border-right-width: medium; border-top-color: initial; border-top-style: none; border-top-width: medium; color: #6b6b6b; line-height: 20px;">
<span style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span></span></div>
<div style="background-color: white; border-bottom-color: initial; border-bottom-style: none; border-bottom-width: medium; border-left-color: initial; border-left-style: none; border-left-width: medium; border-right-color: initial; border-right-style: none; border-right-width: medium; border-top-color: initial; border-top-style: none; border-top-width: medium; color: #6b6b6b; line-height: 20px;">
<span style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span></span></div>
<div style="background-color: white; border-bottom-color: initial; border-bottom-style: none; border-bottom-width: medium; border-left-color: initial; border-left-style: none; border-left-width: medium; border-right-color: initial; border-right-style: none; border-right-width: medium; border-top-color: initial; border-top-style: none; border-top-width: medium; color: #6b6b6b; line-height: 20px;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><span style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;">"No degrau da rua,</span><br style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;" /><span style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;">a moça pinta as unhas.</span><br style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;" /><br style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;" /><span style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;">Dobrado em lua,</span><br style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;" /><span style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;">seu corpo tem a delicada intenção do ourives:</span><br style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;" /><span style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;">na decimal tela das mãos</span><br style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;" /><span style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;">inventa lábios</span><br style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;" /><span style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;">que o destino virá beijar.</span><br style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;" /><br style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;" /><span style="color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;">Fadigosa obra,</span></span><br />
<span class="text_exposed_show" style="color: #333333; display: inline; line-height: 18px; text-align: left;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">tão incontáveis os dedos da vaidade.<br /><br />A moça demora-se<br />mais que a derradeira luz<br />e as velhas passam e benzem-se,<br />limpando lembranças<br />de suas primeiras mãos.<br /><br />Afinal, não é o corpo<br />o que a menina pinta.<br /><br />O verniz vermelho,<br />como salpicados coágulos.<br />lhe amortalha o gesto.<br /><br />Debaixo da tinta<br />uma morte se oculta:<br />a sua,<br />da menina tão menina<br />que nem precisava de ser linda."</span></span></div>Ana Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3931633348452706196.post-8353395847868421232012-03-30T11:21:00.000-07:002012-03-30T11:24:20.971-07:00Da justiça como autonomia<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7RByf1JHmcS2mP2gJN9TzChfhfGYebKMKL4HIpcr_K9eTG6YdGrReRz8nOZzbT6g-CNAjXxdz9Jxr5lcTPMu65AvmaZ_IFcOyGCNj7Y_Og1lDSKI-5kUh8Zqo9919jBfBow0dFk0J7st5/s1600/A+conquista+do+fil%C3%B3sofo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7RByf1JHmcS2mP2gJN9TzChfhfGYebKMKL4HIpcr_K9eTG6YdGrReRz8nOZzbT6g-CNAjXxdz9Jxr5lcTPMu65AvmaZ_IFcOyGCNj7Y_Og1lDSKI-5kUh8Zqo9919jBfBow0dFk0J7st5/s320/A+conquista+do+fil%C3%B3sofo.jpg" width="243" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<b><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">A conquista do filósofo, Giorgio de Chirico</span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 17px; line-height: 25px;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">(Depois de alguns meses como bloguista, partilho hoje convosco um texto sobre Adela Cortina. Ainda não a tinha referido nas minhas lides cibernéticas. Este texto é fruto da minha intervenção no Colóquio Crise e Civilidade que se realizou dia 29 de março de 2012 na FLUP)</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 17px; line-height: 25px;"><b><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><b><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><b><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Da justiça como autonomia</span></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><b><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">O conceito e a conceção de civilidade de Adela Cortina </span></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">“Mudam-se os tempos, desnudam-se as
vontades”. <o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">É
este o mote camoniano de Mia Couto n’<i>O
último voo do flamingo</i>. Palavras poéticas que elucidam, logo à partida, a
fragmentação entre o pensamento e a ação, ou para dizê-lo já com Adela Cortina,
entre as filosofias kantianas e um povo hobbesiano ou até menos hobbesiano do
que alguma vez Thomas Hobbes pensara. Nas palavras de Paula Pereira, em diálogo
com Hölderlin, “É quando o mundo se torna mais problemático, é quando o nosso
mundo perde sentido e consistência, que a filosofia recomeça. A filosofia nasce
especialmente em tempos de desamparo.” A <i>situação</i> crise afeta política, economia,
cidadania, civilidade, vontades e vontade. Autonomias que se desnudam numa <i>acrasia crísica comum</i>, cujo espaço-tempo
dá que pensar à filosofia munida do seu mais geminado conceito: o conceito de
crítica. Crítica das instituições e das pessoas na medida da justiça.<i> </i>Na medida da humanidade. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Da justiça<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">O
conceito e as conceções de justiça multiplicam-se através do poder das ideias.
Advindas dos vários gabinetes e debates académicos, cuja raiz política é fruto
da <i>República</i> platónica, elas bem
ditam o que deve ser a justiça na tríade liberdade-distribuição-igualdade. Um
dos exemplos contemporâneos mais férteis dessa idealização é a obra <i>Uma Teoria da Justiça</i> de John Rawls. O
grande objetivo de Rawls é a fundamentação de uma “sociedade bem ordenada”
assente em princípios corretos, válidos para qualquer político, juíz ou
cidadão. Progressivamente entendida, a dinâmica das instituições tornará mais
justa a prática da cidadania ao inspirar cidadãos menos egoístas e
desinteressados de si mesmos. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Para tal servirá a ficção ou a hipótese da <b>posição original</b>: <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">“A posição original é definida de tal
forma que representa um <i>status quo</i> no
qual quaisquer acordos alcançados são justos. É uma situação em que as partes
estão representadas igualmente como pessoas morais e o resultado não é
condicionado por contingências arbitrárias ou pelo equilíbrio relativo das
forças sociais.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">E a imaginada posição serve para estabelecer a diferença
entre 1. as doutrinas compreensivas de bem comum (que todas as pessoas
reconhecem num determinado projeto de vida, na sua profissão ou religião por
exemplo); e <st1:metricconverter productid="2. a" w:st="on">2. a</st1:metricconverter>
compreensão universal da ideia de justiça a promover pelas distintas
instituições sociais. A favor da neutralidade de justificação do que é justo
suspende-se a vida boa à maneira da <i>êpoche</i>
husserliana. E assim perante esta suspensão e distinção, sobretudo contra elas,
pergunto: Não será a justiça a virtude que melhor expressa a ligação entre a
bondade e a inteligência? Não é ela o maior dos bens? Porquê submetê-la somente
ao correto funcionamento das instituições sociais, transformando o direito na
tarefa primordial da filosofia?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Antes das respostas, apresento os dois princípios da justiça
de Rawls: 1. princípio de liberdades fundamentais para todos (<i>equal liberty</i>), e 2. princípio da
igualdade de oportunidades o qual pressupõe o princípio da diferença (<i>difference principle</i>). Este segundo
princípio expressa-se numa bipartição de objetivos: a) igualdade de acesso aos mesmas
cargos e benefícios e b) igualdade distributiva dos bens económicos, mormente
rendimentos e riquezas. Estes dois princípios da justiça surgem quando as
partes da posição original se sujeitam e pactuam sob o “véu de ignorância”, ou
seja, no desconhecimento em relação à sua vindoura posição social. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Relembrando Max Weber, a ideia de justiça de Rawls responde
ao apelo de uma ética da convicção, deontológica, desinteressada do contexto e
da sua contaminação. Uma ética sem moral, diria Adela Cortina, distante da
ética da responsabilidade, da ponderação entre os meios e os fins e das suas
previsíveis consequências. Rawls pretende precisamente tornar a filosofia moral
algo não-avesso à prática e à retórica políticas, tornando esta última mais
intelectual e inteligente. Contudo, essa demanda acaba por colocar a ética
contra a própria moral fechando-a numa reflexão <i>transcendental das instituições</i> radicalmente distante das nossas
conceções morais, em última análise, de nós próprios. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"> Ficamos
assim perante o dilema: “Rawls e para além de Rawls”. É este o título
que Amartya Sen dá a um dos capítulos da obra <i>A ideia de justiça</i> que dedica a John Rawls. No entanto, a sua
argumentação parte desde logo de um paradoxo, à partida, irreconciliável: o da
relação entre a institucionalização transcendental da justiça e a sua
realização comportamental. A pergunta à qual Sen diz ser imperativo responder
não é a da condição de possibilidade <i>a
priori</i> da justiça. É a da capacidade ou das capacidades que estão em jogo
na redução do seu contrário: a injustiça. O juízo comparativo valerá então mais
do que a posição original e a sua ficção. A circunstância que se pondera e
critica valerá mais do que a teoria que se deseja. De facto, posso saber na
ponta da língua o que é a posição original, a equidade, a liberdade, a
igualdade, a justiça, mas sem realização crítica desse saber jamais conseguirei
responder à pergunta fulcral de Sen: afinal, como podemos reduzir a injustiça? <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">A métrica da igualdade social, examina Sen em relação a
Rawls, não pode centrar-se apenas na distribuição de rendimentos e riquezas.
Como avalia João Cardoso Rosas sobre este tema: “o essencial não é a quantidade
de dinheiro que se possui, mas o facto de isso proporcionar - ou não - o acesso
ao que é essencial à vida humana num contexto específico e dependente de uma
série de factores diferentes, como o ambiente natural, as tradições culturais e
religiosas, etc.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;">É preciso aproximar pelo exame e pela crítica, capacidades
fundamentais, instituições e pessoas, inteligência e bondade, e não apenas
ficcionar essa realização, pois tal como advoga Sen “perguntar como vão as
coisas e indagar se poderiam ser melhoradas, [é] uma parte integrante da
demanda da justiça a que não se poderá escapar e que, aliás, deverá ser
constante.”</span><span style="font-size: 12.5pt;"><span style="line-height: 19px;"> </span><span style="line-height: 150%;">Michael Sandel defende-o também: “a justiça não tem apenas que ver com a forma
certa de distribuir coisas. Tem igualmente que ver com a forma certa de
valorizar as coisas.”</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Da justiça como autonomia<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Em
2001 Adela Cortina publica a obra <i>Alianza
y contrato: política, ética y religión</i>. Nela estabelece, com vigor
filosófico, a relação entre uma ética de mínimos, portanto cívica, e uma ética
de máximos, configuradora do bem comum. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">“A ética cívica é o conjunto de
valores e normas que partilham os membros de uma sociedade pluralista, sejam
quais forem as suas concepções de vida boa, os seus projectos de vida feliz.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">“O cumprimento da ética cívica pode <b>exigir-se</b> moralmente à sociedade (…). As
éticas de máximos não podem ser objecto de exigência numa sociedade, apenas de <b>convite</b>.” <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 3.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Cortina assume uma posição de relação mútua e, por sua vez,
de não absorção entre a ética de mínimos e a ética de máximos. Ou para dizê-lo
com Jonh Rawls entre a ideia “universalizada” de justiça e as distintas
doutrinas compreensivas do bem comum. Uma não pode jamais subsumir a outra a
bem da vida democrática e da vida <i>circunstanciada</i>,
ou para dizê-lo com Aristóteles, da vida feliz. Por um lado, “os mínimos alimentam-se
dos máximos”, ou seja, já inserido numa determinada comunidade, o cidadão deve
responder às exigências da justiça, saber que esta mais do que um princípio é
um valor, um bem. Por outro lado, “os máximos têm de purificar-se a partir dos
mínimos.” Pensemos no caso do fundamentalismo religioso que faz coartar,
através da ação violenta, o princípio incondicionado da humanidade. Não se
purifica neste último e, portanto, perpetua a intolerância e a violência. E
Cortina é clara neste ponto: ética de minímos e ética de máximos não podem ser <b>autosuficientes</b>. Se o forem acabam por
“engolir o homem” e consequentemente a humanidade. Volvidos seis anos após a
publicação de <i>Alianza y Contrato</i>,
Adela Cortina escreve <i>Ética de la razón
cordial</i> e como veremos, pela epígrafe abaixo citada, a sua conceção de
civilidade não se centrará apenas na diferenciação entre ética de mínimos e
ética de máximos. Recentrar-se-á na configuração humana do humano, ou seja, na
forja ou inauguração do caracter. E diz o seguinte: <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.15pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">“A ética
cívica foi-se constituindo como o conjunto de valores e princípios éticos que
uma sociedade moralmente pluralista partilha e que permite aos seus membros
construir a vida juntos.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.15pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><b><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;">Era - e é - a <i>ética das pessoas enquanto cidadãs</i></span></b><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;">,
comprometidas na vida de uma comunidade política da qual devem ser
protagonistas indiscutíveis. (…)<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.15pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><b><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;">Era - e é - <i>ética</i>: forja do caracter, do <i>êthos</i></span></b><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;">, e
nunca instrução em princípios políticos, por muito que pertençam a
constituições democráticas e por muito que se explique a história através da
qual se geraram tais constituições.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.15pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Sublinho: “Era - e é - <i>ética</i>: forja do caracter, do <i>êthos</i>”.
O importante não é somente averiguar a justiça das ações levadas a cabo pelos
seres humanos, é preciso saber ver se o sujeito que as protagoniza é um ser
humano justo, com um caracter bem construído e, por sua vez, educado. Voltamo-nos assim para questão do <i>êthos</i> como morada do ser, como <i>toca</i> diria Martin Heidegger, cuja
“decoração” é inteiramente nossa e deverá ser integralmente autónoma. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">E por esse motivo nomeio a
justiça de autonomia. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Explico agora melhor essa
nomeação. Em 1986, no prólogo dedicado à obra <i>Ética mínima</i> de Adela Cortina, José Luis Aranguren apontava às
éticas procedimentais da justiça, de Kant a Habermas passando por John Rawls, a
seguinte limitação: “À <b>ética
intersubjectiva</b>, deve conjugar-se a <b>ética
intrasubjectiva</b>, ou seja, o diálogo que cada um de nós somos.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Se aprendemos com Aristóteles, e
antes dele com o mestre Platão, a radicalidade do diálogo que devemos reavivar
constantemente conosco próprios, ao jeito de exame diria antes Sócrates: “uma
vida não examinada não vale a pena ser vivida”, a ética deve então ser prefácio
da política e não o contrário. Em todo o caso, continuamos a insistir na
inversão do percurso moral do ser humano ao mundo e valoramos apenas a ética
como ética <i>social</i> dialógica.
Colocamos a educação para a cidadania, por exemplo, antes da educação moral. E
José Luis Aranguren tem razão, embora uma razão intempestiva: antes de o ser
humano ser um diálogo <b>inter</b>, um
diálogo com os outros, deve ser um diálogo <b>intra</b>,
num pensar que examina o seu caracter e, por sua vez, o cria, inaugura e elenca
aos mais próximos. Aranguren vê com acutilância o perigo de dissolução do
fenómeno moral no direito e na política, reduzindo-se assim a ideia de valor
aos princípios éticos e o papel inédito do sujeito em sociedade à
responsabilidade das instituições. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">Para concluir, refiro-me à
definição de <b>autonomia da vontade</b> de
Immanuel Kant na <i>Fundamentação da
metafísica dos costumes</i>:<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;">“autonomia
da vontade é aquela sua propriedade graças à qual ela é para si mesma a sua
lei. O princípio da autonomia é: não escolher senão de modo a que as máximas da
escolha estejam incluídas simultaneamente no querer mesmo como lei universal.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%;">A ética é primordialmente uma questão de
atitudes. Kant tinha consciência desse <i>factum</i>
da razão. O “querer mesmo”, a vontade, deve ajuizar e agir em sintonia com a
“lei universal”. A autonomia pessoal deve ser capacidade autolegisladora de
universalização. Deverá sê-lo. Sobretudo para aproximar cada vez mais autonomia
e justiça, pessoa e humanidade. Realizar a lei moral <i>dentro </i>e <i>fora </i>de mim. </span><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">No fundo, temos de viver sempre
nas proximidades do seguinte dilema: “direito e política parecem bastar para
regular as relações sociais, sem necessidade de perguntar à filosofia se são ou
não humanas.”</span><span style="font-size: 12.5pt; text-indent: 35.4pt;"><span style="line-height: 19px;"> </span><span style="line-height: 150%;">Este dilema é lançado por Adela Cortina em
tom de suspeita, mas remete-nos também para a dimensão da esperança, da
colheita. Indagar pela justiça é perguntar pela humanidade do humano, é
perguntar por si próprio e pelo outro nas fronteiras que nos separam da
desumanização. E mais do que perguntar, é fazer humanidade. Parafraseando
Ortega y Gasset “o tigre não pode destigrar-se, mas o ser humano pode
desumanizar-se”</span></span><span style="font-size: 12.5pt; text-indent: 35.4pt;"><span style="line-height: 19px;"> </span><span style="line-height: 150%;">e para que tal não aconteça é preciso que Karl Jaspers tenha razão. E a tenha
sempre. É preciso que a filosofia seja perigosa, que incomode… E que o seja
munida do seu mais geminado conceito: o de crítica. Crítica constante em
relação “[</span></span><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">às] convenções, [ao] hábito de julgar que o
bem-estar material é razão necessária e suficiente do bem viver, [à] vontade
ilimitada do poder, [ao] fanatismo das ideologias, [ao] compadrio dos
políticos.</span><span style="font-size: 12.5pt; line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">” É preciso indagar se as relações pessoais e sociais são ou não humanas, uma
reflexão que é constante, disse-o mais acima Amartya Sen, e cuja constância é a
bem da tensão entre liberdade e civilidade, autonomia e justiça.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 35.25pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;"><o:p> </o:p></span><span style="line-height: 115%;"> </span></span></div>Ana Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3931633348452706196.post-58568780795073909312012-02-23T13:42:00.002-08:002012-02-23T13:48:45.287-08:00Heidegger e Atena. As fronteiras movediças do humano.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgU9P5tGsclMT68PtgsG_3r0POzhTddihq4VpHnh4FgxCHKIyg5yokx-LpTca15AtkDOiuZekdYScm7I8iq1WiHrM1jBW_zKuOuzgMiFmcCrXtNfkrKmWwZcu28uCdvW7ekwt7p5tdO8GeP/s1600/Deusa+Atena.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgU9P5tGsclMT68PtgsG_3r0POzhTddihq4VpHnh4FgxCHKIyg5yokx-LpTca15AtkDOiuZekdYScm7I8iq1WiHrM1jBW_zKuOuzgMiFmcCrXtNfkrKmWwZcu28uCdvW7ekwt7p5tdO8GeP/s320/Deusa+Atena.jpg" width="186" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Atena, Museu da Acrópole em Atenas, século V a.C.</span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><span style="line-height: 150%;">Esta
reflexão é fruto do comentário à conferência proferida pela Professora Luísa
Neto da Faculdade de Direito da Universidade do Porto intitulada <i>A Bioética como novo Direito Natural?</i> A convite
do Grupo <i>Filosofia e Espaço Público</i>
do Instituto de Filosofia da FLUP aquando do 2.º Ciclo de conferências <i>Filosofia e condição tecnológica</i>, a
Professora suscita e discute acerca da bioética como novo direito natural e nesse
horizonte colocou-nos a seguinte questão: </span><span style="line-height: 150%;">“nem tudo o que não é punido é lícito, nem
tudo o que não é proibido é lícito: devemos fazer algo apenas porque é
possível?” </span><span style="line-height: 150%;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><span style="line-height: 150%;">Esta
afirmação/questão da Professora Luísa Neto sugere, a meu ver, uma imagem e um
texto, ambos profundamente filosóficos. A imagem é a da deusa Atena no Museu da Acrópole
de Atenas e o texto “A proveniência da arte e a determinação do pensar” (<a href="http://www.martin-heidegger.net/">www.martin-heidegger.net</a>) da autoria
de Martin Heidegger. Trata-se de uma conferência proferida pelo filósofo em
1967 na Academia de Artes e Ciências de Atenas, uma reflexão sobre a deusa
Atena, no seu papel de conselheira, iluminadora e guardiã da arte na Grécia
antiga. Sabemos que Martin Heidegger foi um filósofo bastante dedicado à
pergunta pela técnica e esta tem uma fulcralidade, diria ontológica, no seu
pensar. Assim o reconhece na entrevista dada à revista <i>Der Spiegel</i>, “já só um deus nos pode ainda salvar” (</span><a href="http://www.martin-heidegger.net/">www.martin-heidegger.net</a>)<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">, publicada
postumamente em 1976. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><span style="line-height: 150%;">A reflexão do filósofo sobre
a técnica assegura pensá-la enquanto <i>daimón </i>do humano e avaliá-la
como força violenta e subjugadora do seu “fazer” face à natureza. A <i>techné</i> grega
é por si reconhecida como poder criador no sentido daquilo que impera no mundo
como obra humana distinta do brotar da natureza - da <i>phusis</i>. Somente a
técnica moderna, diz Heidegger, surge à filosofia como “dar que pensar”, pensar
que não decorre do poder criador do humano enquanto tal, mas da sua
incapacidade em pensar as suas fronteiras, os limites do poder criacional. O
carácter inquietante do ser humano prende-se com a insondabilidade da sua ação
no poder ou não poder saber aquilo que “faz” enquanto criação própria. O
imperar do <i>logos</i> - <i>palavra, cálculo, ordem</i> - face à
natureza, é o semblante moderno que pretende sondar toda a “brutalidade” da
matéria viva e torná-la sua, conhecida, manipulável, comprovável.</span><span style="line-height: 150%;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><span style="line-height: 150%;">Do mesmo modo que o
filósofo pensa a técnica como aplicabilidade do método científico, e se demora
nesse pensar, também nós hoje, um pouco distantes de Heidegger e ainda mais de
Atena nos colocamos a pensar sobre as possibilidades e fronteiras do conhecer
e, sobretudo, do agir humanos: “</span><span style="line-height: 150%;">devemos
fazer algo apenas porque é possível?” Não haverá um limite que se interponha
entre a criação, ação humanas e a natureza, ou seja, entre aquilo que criamos e
o que não precisa das mãos humanas para acontecer?</span><span style="line-height: 150%;"> Por último: estaremos
nós conscientes desse limite, desse “marco-fronteira” entre a <i>techné </i>e a<i> phusis</i>?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 150%;">Por esse motivo, escolhi Heidegger
e a deusa Atena para poder pensar acerca do caracter inquietante - <i>unheimlich</i> - do ser humano e por este ser
também, a meu ver, o dilema fulcral da bioética: conseguir estabelecer a
fronteira entre o cuidado e a inquietude do ser, na autonomia que, por sua vez,
e enquanto princípio primeiro da bioética, é<i>
humanitas</i> do humano enquanto tal e terá de o ser. Sabemos que o impulso da
criação científica e técnológica é sempre mais rápido, mais funcional do que o
próprio pensar. Não guarda responsabilidade perante a fronteira que delimita o
que é criado por nós e o que não precisa de nós para existir. Enquanto não
formos capazes de meditar com cuidado sobre essa fronteira, através do pensar,
a inquietude do ser tomará sempre conta de nós e a autonomia cederá. Se cede a
autonomia, perde-se a <i>humanitas</i> do
humano, a única capaz de conduzir o homem à verdadeira habitação do ser. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 150%;"> Em 1947 Heidegger salienta na sua <i>Carta sobre o humanismo</i> o seguinte: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 35.25pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">“O pensar trabalha na edificação da casa do ser; é
como tal casa que a juntura do ser dispõe, sempre de acordo com o destino, a
essência do homem para morar na verdade do ser. Este morar é a essência do
“Ser-no-mundo”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 35.25pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">(…) Um dia seremos mais capazes de pensar o que é a
“casa” e “habitar” a partir da essência do ser adequadamente pensada.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 150%;"> Destaco desta epígrafe
três verbos cruciais na linguagem heideggeriana: pensar, habitar e ser e tento
relacioná-los de um modo mais prosaico, vivencial, diria. O pensar é um meditar
que nos permite habitar a casa do ser, mas não imediatamente nem totalmente… A
meditação é um trabalho que leva tempo, toma o nosso tempo, e nem todos estamos
dispostos a dá-lo ao ser que permite habitar o mundo e fazer dele a nossa casa.
Volto então ao texto inicial “A proveniência da arte e a determinação do
pensar”. E volto ao seu fim, não ao início que guardarei para mais tarde. A
reflexão de Heidegger neste texto finda com um conceito bem conhecido do seu
pensamento e de quem a ele se dedica: <i>aletheia</i>.
<i>A-letheia</i> significa em grego o não-encoberto,
ou seja, aquilo que se desvela, mas que sempre necessita do velamento e da
obscuridade para existir, para surgir, para brotar. Heidegger associa à ideia
grega de <i>a-letheia</i> a ideia de
verdade: “todo o pôr-a-descoberto requer sempre o estar encoberto.” E associa
também às suas palavras um dito de Heraclito: “àquilo que brota de si mesmo
é-lhe próprio encobrir-se.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 150%;">Aqui se esconde o grande
impensado da era moderna e do seu mundo como imagem. O que importa nos alvores
da Modernidade, diz Heidegger, é desvelar tudo, desencobrir tudo, fazer do
mundo uma ou várias imagens passíveis de cálculo e de codificação. Não há lugar
para a <i>a-letheia</i> grega e muito menos
para a voz conselheira dos deuses. Tudo é presentificado pelo sujeito do
conhecimento e deve sê-lo. O mundo apresenta-se como adequação e não como
revelação do ser ao homem. Este revelar, diriam os gregos, pressupõe um
esconder. E, por conseguinte, volto à deusa Atena. Atena é para os gregos a
deusa da sabedoria em três momentos chave. Num primeiro momento, Atena
aconselha os homens nas suas mais diversas criações: da arte à política
passando pela filosofia. A sua palavra conselheira prevê o caminho ainda não
havido, alumia, clareia as veredas do ser na busca criacional. O seu olhar
meditativo ilumina e dá ser ao que ainda não está criado, ao que somente
pré-existe no homem. O seu olhar é o olhar da coruja que de noite ilumina,
clareia o caminho dos homens, fá-los ver mais longe e ir além… Mas não muito
além de si próprios, alerta Heidegger: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">“o seu olhar meditativo
não contempla apenas a figura invisível das possíveis obras humanas. O olhar de
Atena descansa, sobretudo, no que permite a partir de si desdobrar-se nas
coisas que não necessitam de ser produzidas pelo ser humano para se tornarem
presentes.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; margin-left: 35.4pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 150%;">Se se atender bem à imagem da deusa Atena no museu da Acrópole olhamos a
sua postura como a daquela que medita, que reflete perante a “pedra-marco”, a
fronteira. Atena auxilia os homens nas suas façanhas e criações culturais, mas
alerta-os também para o risco de se ultrapassarem, de pisarem a fronteira, o
marco. O limite que estabelece a partir de si mesmo “o que não necessita de ser
produzido pelo ser humano para se tornar presente”, para vir à luz. No mundo
grego existe uma co-pertença entre <i>techné</i>
e <i>phusis</i>, arte e natureza, aquilo que
pode ser criado e o que é espontâneo, o dar-se. Ambas co-pertencem-se e assistem
serenamente ao desvelamento do ser. Muitos poetas, entre os quais o poeta
Ésquilo, sabem do poder alumiador e secreto de Atena. Ésquilo coloca as
seguintes palavras na boca da deusa: “Só eu, entre os deuses, conheço a chave
da casa em que, encerrado e selado, o raio repousa”. Como filha de Zeus, Atena
sabe onde o pai guarda o raio, mas nunca fez uso dele. Sabe do limite que se
impõe e conserva-o. Sabe que seria incapaz de o controlar, tal como Pandora não
conseguiu controlar a saída dos males da caixa oferecida pelos deuses a
Epimeteu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 150%;"> No entanto, como nos
comportamos nós hoje no mundo dito científico? Guardamos a mesma sabedoria grega
do limite ou ultrapassamo-la? Para responder a esta pergunta Heidegger recorre
às palavras de Nietzsche: “O que caracteriza o nosso século XIX não é o triunfo
da ciência, mas o triunfo do método científico sobre a ciência.” Heidegger
explica: “o método é o projecto antecipativo do mundo, que fixa o rumo
exclusivo da sua investigação possível. (…) O da total calculabilidade de tudo
o que é acessível e comprovável mediante experimentação.” Este cálculo-ordem
inclui não só o mundo, mas o próprio ser humano cuja custódia e configuração é
“factor de perturbação” e de clausura, clausura de si em si mesmo. O pensar não
toma parte nos caminhos do conhecer e do produzir. O ocaso do Ocidente enquanto
progredir do método científico expressa-se no modo de antecipar e representar o
curso do mundo e do homem. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><span style="line-height: 150%;">A bioética é hoje um
esforço do pensar em relação ao conhecer e ao produzir da ciência, as ações e
consequências da sua investigação. Uma ponte meditativa entre “os conhecimentos
biológicos e os valores humanos” (Van Rensselaer Potter). A bioética alerta,
através de diversas áreas do saber tais como a filosofia ou o direito, para o
progredir da ciência enquanto método instrumentalizado e provocador do ser, e
para a sua prentensa neutralidade. </span><span style="line-height: 150%;">Heidegger</span><span style="line-height: 150%;"> desvirtua, destrói o papel
privilegiado do ser humano no universo e tenta colocá-lo em harmonia, em
cuidado para com o ser. <i>Sorge</i> em
alemão quer dizer, simultaneamente, cuidado e inquietude e, por vezes, o ser
humano não quer apenas ser e estar-no-mundo enquanto guardião zeloso do
“aparecer”, do “desocultar” do ser. Quer que ele apareça sempre, invoca ao ser
para que este se produza interminavelmente e, por isso, provoca-o,
ultrapassando os seus próprios limites, ou seja, as fronteiras humanas da ação
e da invenção.</span><span style="line-height: 150%;"> Estará a
bioética preparada para responder a esta provocação do ser? Para iluminar através
do pensar a relação entre o cuidado e a inquietude? Para marcar a sua
fronteira? <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 150%;">São mais as perguntas do que as
respostas é um facto. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 150%;">Termino com as palavras de Margaret
Thatcher reavivadas há pouco tempo no filme <i>The
Iron Lady</i> realizado por Phyllida Lloyd e protagonizado por Meryl Streep.
Questionada pelo seu médico de família sobre o seu estado de saúde na universal
pergunta: como é que se sente? Thatcher suspira e medita: “hoje em dia as
pessoas apenas sentem, não pensam.” E continua: “o grande problema do nosso
tempo é que somos governados por pessoas que apenas se preocupam com
sentimentos e não por pessoas que acreditam em pensamentos e ideias.” O médico
replica: “Nesse caso, Margaret, o que é que pensa?” Ela responde: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 115%;">“Cuidado com os pensamentos, eles transformam-se em palavras.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 115%;">Cuidado com as palavras, elas transformam-se em ações.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 115%;">Cuidado com as ações, elas tornam-se um hábito. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 115%;">Cuidado com o hábito, ele forja o caracter.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 115%;">Cuidado com o caracter, pois ele é o seu destino.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 115%;">Somos o que pensamos.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 150%; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 150%;"> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>Ana Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3931633348452706196.post-12345115588187744222011-12-18T15:08:00.000-08:002011-12-18T19:05:17.058-08:00Da justiça e do amor: um filosofar sem filósofos<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="color: black; font-family: Calibri; font-size: large;"><strong>Ana Carina Vilares e Ruben Azevedo</strong></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiekCQEHEmf4Flan-H5R-Fo6XYglAwzBVrHs2zdSt62K1yLkiQr-Jz56Val2WqokR7xEXf6_7mXyzJ2vaHorvyIv-JGZtPQJ3uBWJOu1WRCFwpLkm2gV-oXMfmDPjtoEihJpaFR56R8v2y3/s1600/Salom%25C3%25A3o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="color: black; font-size: large;"><img border="0" oda="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiekCQEHEmf4Flan-H5R-Fo6XYglAwzBVrHs2zdSt62K1yLkiQr-Jz56Val2WqokR7xEXf6_7mXyzJ2vaHorvyIv-JGZtPQJ3uBWJOu1WRCFwpLkm2gV-oXMfmDPjtoEihJpaFR56R8v2y3/s1600/Salom%25C3%25A3o.jpg" /></span></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;">
<span style="font-family: "Arial", "sans-serif"; line-height: 150%;"><span style="text-decoration: none; text-underline: none;"><shapetype coordsize="21600,21600" filled="f" id="_x0000_t75" o:preferrelative="t" o:spt="75" path="m@4@5l@4@11@9@11@9@5xe" stroked="f"><stroke joinstyle="miter"></stroke><formulas><f eqn="if lineDrawn pixelLineWidth 0"></f><f eqn="sum @0 1 0"></f><f eqn="sum 0 0 @1"></f><f eqn="prod @2 1 2"></f><f eqn="prod @3 21600 pixelWidth"></f><f eqn="prod @3 21600 pixelHeight"></f><f eqn="sum @0 0 1"></f><f eqn="prod @6 1 2"></f><f eqn="prod @7 21600 pixelWidth"></f><f eqn="sum @8 21600 0"></f><f eqn="prod @7 21600 pixelHeight"></f><f eqn="sum @10 21600 0"></f></formulas><path gradientshapeok="t" o:connecttype="rect" o:extrusionok="f"></path><lock aspectratio="t" v:ext="edit"></lock></shapetype><span style="color: black; font-size: large;"></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: center;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: large;"><span style="color: black;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Calibri;"> O julgamento de Salomão</span></i><span style="line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Calibri;">, Gaetano Gandolfi, 1775</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: large;"><span style="color: black;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Carina:</b> Coloco-me na minha circunstância a pensar sobre a justiça - o conceito e as suas conceções - e coloco-me pois dentro da ligação possível entre a liberdade e a igualdade do ser humano e das suas relações interpessoais no mundo. Já compliquei, eu sei. Mas em boa verdade para responder com seriedade à questão o que é a justiça? e sendo ela uma dialética sempre tensional, desproporcional, entre ser livre para mim e ser igual para outrem, penso que a esta primeira pergunta deve associar-se uma outra, mais trabalhosa e esforçada, difícil. A questão é a seguinte: quando ajo justamente será que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">sei </i>que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">sou</i> livre e, por sua vez, igual a outrem? <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Sei</b>, é certo. Contudo, nem sempre o quero <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">ser</b>. </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: Calibri; font-size: large;">Dois verbos surgem, portanto, em destaque na abordagem conceptual da justiça: o verbo <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">saber</b> e o verbo <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">ser</b>. Intensamente filosóficos, altamente perigosos. Na sua separação reside a diferença entre saber o que é a justiça e, por sua vez, ser-se justo. Na sua união o seu contrário. Ou seja, na sua união reside a tensão entre saber e ser justiça, na relação entre a lei justa e a prática social da justiça, enquanto reconhecimento do outro como meu semelhante, próximo, vizinho; num paradoxo, no <i style="mso-bidi-font-style: normal;">outro igual</i>. Curiosamente e hoje que escrevo sobre um dos temas mais filosóficos de sempre não posso chamar à colação discursiva filósofos. Somente poetas. E assim dou um ar de pitonisa e remeto a minha reflexão aos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Poemas Inconjuntos</i> de Alberto Caeiro, dos quais destaco uma passagem simples, incisiva e, a meu ver, bastante filosófica. O poeta diz: </span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: center;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: black; font-family: Calibri; font-size: large;">“Haver injustiça é como haver morte.”</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="color: black; font-family: Calibri; font-size: large;">Aqui morte não é o contrário de vida. Não é. Há nas palavras de Caeiro outra mensagem escondida, mais profunda, oculta e desoculta também. Perante a injustiça ficamos parados, atónitos. Num primeiro momento, não pensamos, não adaptamos o nosso saber do que é a justiça ao ser justo, ou seja, a ideia à sua concretização. Para nós, a injustiça surge como algo de irreal, não-ser, não-nosso. É <i style="mso-bidi-font-style: normal;">como se</i> o corpo e o espírito fossem sem vida durante alguns momentos, um curto-circuito que se dá quando somos desleais, maus, vis, infiéis. Aquela ação parece não fazer parte de nós e sentimo-nos estranhos, a definhar, a deixar de ser. De facto a ideia filosófica - moral e política - de justiça que promete animar e anima a prática comum das instituições não chega, não preenche a vida humana de boas ações e de ações justas. É preciso mais do que <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">saber</b>, é preciso <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">ser</b>. Sabemo-lo desde… não vou dizer. Mas, para se ser justo, solidário, amigo, companheiro, e sê-lo a cada bater incessante do nosso coração é preciso ter um: um coração. Não um coração de pedra, mas de carne, de corpo, uma espécie de corda que incorpora e dinamiza o que as ideias não conseguem fazer sozinhas por muito racionais que possam parecer. Se à ideia de justiça unimos as palavras distribuição, equilíbrio, equidade, em última instância, igualdade, elas pronunciam-se de ânimo leve, mas não se concretizam por si. É preciso alguém. Uma pessoa de carne e osso, pessoas singulares. Alguém que lhes dê corpo, chama, carne, emoção… E tens alguma coisa a dizer sobre isto Ruben?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: large;"><span style="color: black;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Ruben:</b> Sim professora. Não há dúvida que a justiça por si mesma será apenas uma das faces de uma outra expressão, menos fria, menos letra de lei e mais espírito. Chamar-lhe-ia amor. E, por isso, dou espaço ao próprio amor para se manifestar. </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: large;"><span style="color: black;"><strong>Amor:</strong> Tenho muitos nomes, e um deles é Amor. Defino-me desde os tempos imemoriais segundo uma necessidade universal de Concórdia, Harmonia e Unidade. Antes de ser já o era, e cada átomo do Universo, cada partícula mais elementar dessa matéria que é também espírito, guarda em si mesmo a memória antiga, remota mas tão presente quando ausente, do Equilíbrio Primordial. A divisão e a desunião são apenas momentos, episódios de uma História ainda totalmente por escrever, pois tudo o que existe partilha de um antepassado comum, um tempo para lá de toda a bruma onde tudo estava ligado, em perfeito e são Equilíbrio. Um ainda nebuloso pecado original deitou tudo a perder, e o ponto de densidade infinita onde tudo o que existe e alguma vez existirá, onde todo o contraditório e todo o paradoxo encontravam a sua lógica oculta, explodiu e fragmentou-se em infinitas partes que, porém, guardam no mais profundo de si a memória do Todo. Eu, o Amor, nada mais sou do que a expressão desta vontade inerente a todo o ser de retornar à Totalidade, ao Uno original, ao Equilíbrio Primordial. </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="color: black; font-family: Calibri; font-size: large;">Eu, o Amor, insinuo-me nas almas de tudo o que é, vivo ou não vivo, animado ou inanimado, aproximando o diverso, unindo o disperso, para que num saudoso futuro os pequenos nadas retornem ao paraíso de onde nunca deviam ter saído; para que, religados, o Alfa e o Ómega sejam por fim, um só espírito. Existo em tudo o que existe. Sou eu que desperto no átomo essa vontade de união com outro átomo para que ambos, complementando-se, teçam a trama da matéria; sou eu que desperto no homem esse vazio essencial, esse espaço de solidão e incompletude que o move na direção do outro, igualmente só e incompleto, para que ambas as solidões se façam companheiras de viagem; porque eu insinuo-me nas essências, por isso aquele que diz amar o diverso de si apenas se reconhece a si nele. Eu sou o espelho das almas, e amar mais não é do que olhar-se ao espelho na alma do outro. Sou um criador de mundos, um demiurgo fundador de oásis de eternidade, de luz e esperança subtil na negritude do indeterminado. Sou um astro que verte a sua luz sobre as estradas dos que estão perdidos e desencontrados, para que se encontrem e descubram que afinal todas as distâncias podem ser superadas e todas as fronteiras ultrapassadas, desde que haja luz. Sou por natureza narcísico, porque o Amor só pode amar-se a si mesmo e não nenhuma coisa em particular. Não sou eu que amo os homens, mas os homens que se amam a si mesmos, e é por se amarem em reciprocidade que me amo a mim mesmo. Porém, é quando o homem deixa de amar o outro para se amar primeiro a si, é quando o Ego se insinua que eu me transfiguro como Janus, e então a minha face não é a do Amor, mas a do Ódio. Não venha o Ódio separar aquilo que o Amor uniu. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">
<span style="color: black; font-family: Calibri; font-size: large;">Está esclarecida professora Carina?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="color: black;"><span style="font-family: Calibri;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Carina:</b> Sim, emotivamente, sim. Contudo e supondo a conclusão inconclusiva de que <span class="apple-style-span"><span style="background: white; font-family: "Calibri", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Segoe UI";">a justiça e o amor têm o mesmo solo filosófico, a saber, a união e a igualdade, porque razão andam tão distantes? Podes responder-me, Ruben?</span></span></span><span class="apple-style-span"><span style="font-family: "Calibri", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"></span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="color: black;"><span class="apple-style-span"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="background: white; font-family: "Calibri", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Segoe UI";">Ruben:</span></b></span><span class="apple-style-span"><span style="background: white; font-family: "Calibri", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Segoe UI";"> Gostaria, para começar, de responder a partir da história bíblica de Salomão, o rei da antiga Israel cuja sabedoria se tornou lendária e paradigmática. Não é por acaso que as estátuas que representam a Justiça nos tribunais atuais seguram uma espada, símbolo da espada de Salomão. Como sabe, a Salomão foi apresentado um caso de duas prostitutas que reclamavam a maternidade de uma criança viva. Salomão, depois de ouvir cada uma das pretendentes à maternidade da criança, tomou uma decisão que lhe pareceu, de acordo com os cânones da equidade e da repartição justa, a mais adequada. Com a sua espada, dividiria a criança a meio e daria a cada pretensa mãe uma metade, e desta forma o problema da repartição ficaria resolvido. Para que melhor se compreenda transcrevo aqui a passagem em questão:</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 74.2pt 10pt 36pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="color: black; font-family: Calibri; font-size: large;">Duas prostitutas foram ter com o rei [Salomão]... Uma das mulheres disse: «Meu Senhor, eu e esta mulher moramos na mesma casa. ... Quando acordei de manhã, para dar de mamar ao meu filho, vi que estava morto. Olhei bem e notei que não era o filho que eu tinha dado à luz.» A outra mulher disse: «É mentira! O teu filho é que está morto e o meu é que está vivo». E começaram a discutir diante do rei. Então o rei interveio. ... «Trazei-me uma espada.» E trouxeram ao rei uma espada. O rei disse: «Cortai o menino vivo em duas partes e dai metade a cada uma.» Então a mãe do menino vivo ... suplicou: <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>«Meu senhor, dá-lhe o menino vivo, não o mates.» A outra, porém, dizia: «Não será nem para mim, nem para ti. Dividam o menino ao meio.» Então o rei pronunciou a sentença: «Entregai o menino vivo à primeira mulher. Não o mateis, pois é ela a sua mãe.»</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify;">
<span style="mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="color: black; font-family: Calibri; font-size: large;">Ao que parece uma das prostitutas parecia renegar a criança morta que era sua filha, cobiçando a criança viva, filha da outra prostituta. A partir de uma visão estritamente equitativa, contabilística, baseada numa conceção de justiça como repartição igualitária, a decisão do rei de dividir a criança viva a meio parece ser a mais adequada e justa. A verdade é que ele, enquanto juiz imparcial, não tem meios para averiguar com absoluta certeza a quem pertence a criança. Na época de Salomão não existiam ainda os testes de ADN para servir de prova empírica capaz de sustentar uma decisão clara e inequívoca. A sua decisão, se se mantivesse neste registo meramente contabilístico, constituiria não propriamente um ato justo, mas uma espécie de ato de injustiça menor. Assim, restou-lhe uma boa dose de inteligência e compreensão no que toca à natureza humana, quando colocada perante determinadas circunstâncias limite. Uma decisão verdadeiramente justa teria de superar a mera repartição equitativa, a mera igualização. Desta forma, a decisão do rei serviu sobretudo para provocar uma reação fundada no amor, que neste caso concreto é sobretudo de amor maternal. Perante a morte eminente da criança, a verdadeira mãe só poderia reagir de modo a salvaguardar a vida da criança, ainda que para tal fosse obrigada a entregá-la à outra prostituta. Esta, movida sobretudo pela inveja e por um sentimento de vingança travestido de senso de justiça, estava disposta a ver a criança morrer para impedir que a verdadeira mãe tivesse a felicidade de recuperar a criança. Se não podia ficar com ela, então mais ninguém ficaria. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="color: black; font-family: Calibri; font-size: large;">A sabedoria de Salomão está precisamente no modo como foi capaz de fazer justiça através da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">comoção, </i>ou seja, despoletando no julgado um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">movimento</i> complementar ao <i style="mso-bidi-font-style: normal;">movimento</i> do juiz, cujo ponto de convergência é o mais próximo possível de um tipo de justiça ideal. No caso da verdadeira mãe da criança, essa convergência de intencionalidades deu-se entre o amor maternal e a equidade distributiva. No caso da mãe falsa deu-se antes uma divergência de intencionalidades, desta feita entre o ódio e o desejo de vingança e a equidade distributiva. Se o rei tivesse optado por corresponder ao desejo da mãe falsa, estaríamos talvez perante uma decisão equitativa, mas injusta. Faltava-lhe, para ser verdadeiramente justa, o espírito do amor. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: large;"><span style="color: black;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="mso-bidi-font-family: Arial;">Carina:</span></b><span style="mso-bidi-font-family: Arial;"> É verdade Ruben. Não tenho muito mais a acrescentar. De facto, a verdadeira glória do professor, neste caso da professora, é ser ultrapassado pelo seu discípulo. </span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify;">
<span style="mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="color: black; font-family: Calibri; font-size: large;">Queria apenas fazer notar uma consideração. O amor vai mais longe do que a justiça, alcança o que a lei justa não promove por si, é verdade. Há a generosidade, a compaixão, a cordialidade, que conjugam toda uma série de emoções que ajudam a colmatar a frieza e a impessoalidade da justiça. O amor fala na primeira pessoa como tu bem referes e falas. Não há intermediários, nem mediações, há pessoas que tornam a sua experiência privada pública e sofrem na arena trágica. Por tragédia, falo mais uma vez em Antígona, paradigmática por excelência. Sófocles, o seu autor, faz significar pela ação da protagonista o amor, a compaixão, os quais forçam os limites da lei justa, obriga-os a “pensar mais”. Contudo, há sempre a necessidade de uma face impessoal da justiça que evite a tragédia, a lei que estabelece a fronteira entre o imediato e o inacessível. O ato de Antígona ao sepultar o seu irmão Polinices é contra a lei citadina de Creonte. Esse ato simboliza a violência da justiça divina no seu aparecer, uma lei ilegível, não social, mas que é acontecer trágico e que despoleta a cólera de Creonte. A generosidade, a compaixão, em última instância, o amor desocultam a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">catharsis</i> simbólica da justiça, mas é preciso que ela também seja justiça e não só amor. Ou seja, medida, não só desmesura. Esta última pode despoletar tragédias pessoais e comuns se não formos capazes de sermos impessoais, de nos despirmos por vezes de nós, de sentirmos menos em prol dos outros. Não quero com isto dizer que a impessoalidade não seja, não radique na nossa individualidade. Radica sim e é aquilo que, por sua vez, permite ao ser humano ser verdadeiramente livre, autónomo, igual, personificar como diz Sophia de Mello Breyner, “a forma justa”, ao refrear alguns dos instintos humanos mais básicos. Um pouco como diz o rei Salomão em relação ao dom da palavra: “Quem refreia a boca guarda a sua vida. Mas quem solta os lábios arruína-se.” (Provérbios 13:3) </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify;">
<span style="mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: large;"><span style="color: black;">E termino com o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">poetar</i> de Sophia: <span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="color: black; font-size: large; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-font-weight: bold; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT;">“Sei que seria possível construir o mundo justo<br />As cidades poderiam ser claras e lavadas<br />Pelo canto dos espaços e das fontes<br />O céu o mar e a terra estão prontos<br />A saciar a nossa fome do terrestre<br />A terra onde estamos - se ninguém atraiçoasse - proporia<br />Cada dia a cada um a liberdade e o reino<br />- Na concha na flor no homem e no fruto<br />Se nada adoecer a própria forma é justa<br />E no todo se integra como palavra em verso<br />Sei que seria possível construir a forma justa<br />De uma cidade humana que fosse<br />Fiel à perfeição do universo<br /><br />Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco<br />E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo.”</span><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: large;"><span style="color: black;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri;">Ruben:</span></b><span style="mso-bidi-font-family: Calibri;"> Não há dúvida que tem razão, professora. Curioso que a sua reflexão caminha num determinado sentido, para o qual o poema de Sophia é sem dúvida o corolário adequado. Porquê? O caso de Antígona é o exemplo paradigmático do conflito entre a lei dos homens – demasiado humana no sentido de vil, radicada na vontade de poder, nos vícios da ganância e da dominação do homem pelo homem - e a lei dos deuses - eterna, universal, radicada nas virtudes da divindade, longe da vileza do terreno. Não, atenção, que os deuses gregos fossem propriamente um exemplo de virtude, mas é notória esta necessidade de encontrar um chão sólido para a moralidade no autor desta famosa tragédia. A verdade é que a história - a nossa história enquanto civilização - tem tentado diminuir este fosso entre a “lei divina” e a “lei dos homens”. O substrato universalista dos Direitos do Homem, radicado na noção de direito natural, bem como a “autonomia legisladora da razão” foram tentativas de fundar uma legalidade verdadeiramente humana, fundada numa espécie de convergência “pineal” entre a razão do homem e a razão divina. Neste contexto, surge o Amor como força vivificante da lei, este Amor pelo qual revoluções se fizeram, valores novos se afirmaram, sempre com vista à construção de uma cidade que a todos acolhesse enquanto seres de dignidade, iguais e fraternais. O problema está, de facto, na aplicação da lei. Não é que a lei seja má, mas quem a aplica, quem tem o dever de a interpretar e de a aplicar aos casos concretos, pode muito facilmente cair no perigoso vício da indolência administrativa. Perde-se o rosto humano, e com ele perde-se a Justiça. Mas também o Amor está em perigo, sobretudo quando se pretende inventar uma espécie de “Amor de Estado”, ao invés de um amor individual, experiencial, humano. O Amor de Estado, assim como a Justiça de Estado são extremamente perigosos e totalitários. Prefiro antes um Amor de homem para homem, bem como uma Justiça de homem para homem. Deixo, para terminar, um cântico escrito por São Paulo:</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;">
<span style="color: black; font-family: Calibri; font-size: large;">"Ainda que eu falasse línguas,<br />as dos homens e dos anjos,<br />se não tivesse amor,<br />seria como sino ruidoso<br />ou como címbalo estridente.<br /><br />Ainda que tivesse o dom<br />da profecia,<br />o conhecimento de todos<br />os mistérios e de toda a ciência;<br />ainda que tivesse toda a fé,<br />a ponto de transportar montanhas,<br />se não tivesse amor, nada seria.<br /><br />Ainda que eu distribuísse<br />todos os meus bens aos famintos,<br />ainda que entregasse<br />o meu corpo às chamas,<br />se não tivesse amor,<br />nada disso me adiantaria.<br /><br />O amor é paciente,<br />o amor é prestativo;<br />não é invejoso, não se ostenta,<br />não se incha de orgulho.<br /><br />Nada faz de inconveniente,<br />não procura o seu próprio interesse, não se<br />irrita, não guarda rancor.<br /><br />Não se alegra com a injustiça,<br />mas regozija-se com a verdade.<br /><br />Tudo desculpa, tudo crê,<br />tudo espera, tudo suporta."</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: black; font-family: Calibri; font-size: large;">Muito obrigado por esta partilha magnífica, pela honra de poder partilhar consigo o ouro deste pensar a dois.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: large;"><span style="color: black;"><strong>Carina:</strong> De nada, Ruben. Foi um prazer <i style="mso-bidi-font-style: normal;">filosófico </i>e poético, obrigada. <span style="mso-bidi-font-family: Calibri;"></span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.2pt 10pt 0cm;">
<span style="mso-bidi-font-family: Calibri;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="color: black; font-size: large; mso-spacerun: yes;"> </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 74.2pt 10pt 36pt;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 74.2pt 10pt 36pt;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="font-size: large;"><br /><span style="color: black;"></span></span></div>Ana Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3931633348452706196.post-43841264672127775542011-11-26T14:07:00.001-08:002011-11-26T14:19:07.691-08:00Tecnologia e afetos. Uma conversa com Antígona, Heidegger e... Freud.<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">Ontem, dia 25 de Novembro, realizou-se na FLUP a conferência inaugural dedicada ao tema <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Filosofia e condição tecnológica</i>. No papel de primeiro convidado e contributo o Dr. Pedro Granja do INEB apresentou uma comunicação clara e distinta sobre <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A Medicina Regenerativa e o Homem do Futuro</i>. Primou pela simplicidade, pela cordialidade, por um importante “chegar às pessoas” numa área tão difícil como a medicina e tendo em conta também um público de leigos nessa matéria. Durante toda a conferência tirei notas, pensei nas implicações e consequências morais da medicina regenerativa, mas fi-lo em silêncio. Hoje, com mais distanciamento sobre o assunto, nunca com distância, posso afirmar que todas as palavras do Professor Granja e da minha colega Sílvia Ferreira, que comentou as suas palavras do ponto de vista da reflexão filosófica, fizeram-me lembrar simplesmente… um poema. Um dos mais belos do coro d’Antígona de Sófocles que passo a partilhar: <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">“Muitos prodígios há; porém nenhum </span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">maior do que o homem.</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">Esse, co’o sopro invernoso do Noto, </span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">passando entre vagas</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">fundas como abismos, </span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">o cinzento mar ultrapassou. E a terra</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">imortal, dos deuses a mais sublime, </span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">trabalha-a sem fim,</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">volvendo o arado, ano após ano, </span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">com a raça dos cavalos laborando. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">E das aves as tribos descuidadas, </span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">a raça das feras, </span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">em côncavas redes</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">a fauna marinha, apanha-as e leva-as</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">o engenho do homem.</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">Dos animais do monte, que no mato</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">habitam, com arte se apodera; </span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">domina o cavalo</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">de longas crinas, o jugo lhe põe, </span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">vence o touro indomável das alturas. </span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">A fala e o alado pensamento, </span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">as normas que regulam as cidades</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">sozinho aprendeu;</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">da geada do céu, da chuva inclemente</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">e sem refúgio, os dardos evita, </span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">de tudo capaz.</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">Na vida não avança sem recursos. </span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">Ao Hades somente</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">não pode fugir.</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">De doenças invencíveis os meios</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">de escapar já com outros meditou.</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">Da sua arte o engenho subtil</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">p’ra além do que se espera, ora o leva</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">ao bem, ora ao mal;</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">se da terra preza as leis e dos deuses</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">na justiça faz fé, grande é a cidade;</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">mas logo a perde</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">quem por audácia incorre no erro. </span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">Longe do meu lar</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">o que assim for!</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">E longe dos meus pensamentos</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span style="mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">o homem que tal crime perpetrar!”</span></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">O coro d’<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Antígona</i> pronuncia-se após a sua protagonista ter realizado o rito fúnebre sobre o corpo do seu irmão, uma ação levada a cabo contra a ordem de Creonte, símbolo das normas justas da cidade que lidera. Antígona desafia a ordem pública e à sua imagem e semelhança Sófocles faz representar não a moderação e a calma humanas, mas sim a verdadeira violência aquando do esquecimento dos devidos limites. O coro chora o homem como “a mais demoníaca de todas as criaturas” nas palavras de Slavoj <span class="st1"><span style="color: black; mso-bidi-font-weight: bold;">Žižek.</span></span> E pelo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">poetar</i>, refere Martin Heidegger, Sófocles desvela a verdadeira ontologia do humano: o seu caracter terrivelmente inquietante (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">unheimlich</i>)<i style="mso-bidi-font-style: normal;">. </i></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">A reflexão do filósofo alemão sobre a técnica assegura pensá-la enquanto <i style="mso-bidi-font-style: normal;">daimón</i> do humano e avaliá-la como força violenta e subjugadora do seu “fazer” face à natureza, cuja <i style="mso-bidi-font-style: normal;">techné</i> grega é por si reconhecida como “poder criador” no sentido daquilo que impera no mundo como obra “humana” distinta do brotar da natureza (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">phusis</i>). Somente a técnica moderna, diz Heidegger, surge à filosofia como “dar que pensar”, pensar que não decorre do poder criador do humano enquanto tal, mas da sua incapacidade em pensar as suas fronteiras, o limite do seu poder criacional. O carácter inquietante do ser humano prende-se com a insondabilidade da sua ação no poder ou não poder saber aquilo que “faz” enquanto inauguração sua, própria. O imperar do <i style="mso-bidi-font-style: normal;">logos</i> face à natureza - <i style="mso-bidi-font-style: normal;">palavra, cálculo, ordem</i> - é o semblante moderno que pretende sondar toda a “brutalidade” da matéria viva e torná-la sua, conhecida e manipulável. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">Heidegger </span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">pensa precisamente a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">fronteira</i> entre o poder e o criar humanos pela figura da deusa Atena e as palavras do filósofo bem o revelam nessa metáfora que é a do olhar: “o seu olhar meditativo não contempla apenas a figura invisível das possíveis obras humanas. O olhar de Atena descansa, sobretudo, no que permite a partir de si desdobrar-se nas coisas que não necessitam de ser produzidas pelo ser humano para se tornarem presentes.”</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"> Existe algo de subterrâneo, nas proximidades de Freud, que faz com que o ser humano esqueça os seus limites e se ultrapasse… </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">O que pode o humano criar e o que não deve criar? Esta dupla pergunta está singularmente sujeita ao plano da afetividade, das afeções ou, mais precisamente, daquilo a que Freud chama o princípio de prazer. O controlar da natureza é do domínio do dominar. O “brotar” humano que toma o lugar da natureza é do domínio do ultrapassar, do domínio de um querer sempre mais do que aquilo que nos é permitido fazer. Surge então o velho dilema entre a necessidade e o supérfluo. Entre a compulsão e a repetição. Dilema, diz Freud, entre o princípio de prazer e o princípio de realidade, este último entendido como a verdadeira <i style="mso-bidi-font-style: normal;">via crucis</i> da Psicanálise na resposta à pergunta como “educar” uma pulsão sexual? Explica-o da seguinte forma: </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">“Sabemos que o <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">princípio de prazer</b> é próprio de um método primário de funcionamento por parte do aparelho mental mas que, do ponto de vista da autoconservação do organismo perante as dificuldades do mundo externo é, desde o começo, ineficaz e altamente perigoso. Sob a influência das pulsões de autoconservação do ego, o princípio de prazer é substituído pelo <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">princípio de realidade</b>. Este princípio não abandona a intenção de, no final, obter prazer, mas, no entanto, exige e leva a efeito o adiamento da satisfação, o abandono de um certo número de possibilidades de obter satisfação e a tolerância temporária do desprazer, como passos no caminho longo e indirecto que conduz ao prazer. No entanto, o princípio de prazer persiste longamente como método de trabalho empregue pelas pulsões sexuais, que são difíceis de <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">“educar”</b> e, partindo dessas pulsões, ou do próprio ego, muitas vezes consegue dominar o princípio de realidade, em detrimento</span> do organismo como um todo.”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">“Além do princípio do prazer” é um texto que Freud escreve em 1920 e cuja epígrafe que cito não é de todo uma citação ingénua. Falou-se do princípio de prazer de Freud no debate que se seguiu à conferência do Professor Granja e ao comentário da Sílvia. Falou-se do princípio de prazer, não no princípio de realidade. E a última palavra que destaco nessa epígrafe é o verbo “educar”. E não é também de todo um destacar ingénuo. Vou primeiro aos afetos…</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">Um dos avanços tecnológicos mais noticiados da medicina regenerativa, entre outros, é termos a possibilidade de escolher a cor dos olhos dos nossos filhos, a cor do seu cabelo e quem sabe um dia a sua capacidade “alargada” de inteligência. Surge-me de rompante a imagem de um mundo de Einsteins todos de língua para fora, a desdenhar da nossa pacata ignorância: olha o menino tão inteligente que é! Cá está: o primeiro <i style="mso-bidi-font-style: normal;">tlim tlim</i> da afetividade. Agora outro exemplo, o mais grave: o da imortalidade do ser humano. Se em 2045 tal como revela a Revista Time, o homem torna-se-á imortal, imaginem o que não faremos para cá ficarmos, no mundo, nós e os nossos familiares? Seremos até capazes de matar… A que custo seremos então imortais? Segundo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">tlim tlim</i> da afetividade… Por ambos os motivos, digo mais com Freud do que com Heidegger, a região subterrânea da tecnologia, a sua razão de ser, é a afetividade humana enquanto impulso, inclinação para satisfazer um prazer em detrimento do desprazer. Não coloco, neste ponto, a questão da necessidade, como por exemplo querermos salvar um familiar nosso de uma doença crónica, mas sim a questão do supérfluo, a da ação da compulsão à repetição, à mesmidade, ao ter invejável de coisas, instrumentos e equipamentos que as imagens incitadoras do consumismo mostram e (re)mostram… Não há neutralidade na tecnologia. Não há. Toda ela é tecida de afetos, “feita” para os afetos, inicitadora e capaz de nos afetar… </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">Agora, em uníssono, Freud e Heidegger chamam a atenção para o <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">educar</b> e para o <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">pensar</b> como tarefa, ou diria-o num sentido mais ético, como exigência pedida ao ser humano em tempos tão movediços. Ambos ensaiam uma resposta capaz de nos conduzir do prazer à realidade, do criar humano à fronteira do seu fazer, sem subsumir jamais um no outro. “Cair na real” como diz, e sabiamente, o povo brasileiro. </span></span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">A nossa vida é feita de pulsões, de afetos, de impulsos, mas também há que saber educá-los, de pensar sobre eles e julgar se efetivamente são ou não “camaradas” para a nossa ação. Do escolher a cor dos olhos dos nossos filhos à imortalidade vai um passo muito largo e é nessa largura que se obnubila o que jamais suspeitamos: a perda do espanto, da maravilha, daquilo que aparece à nossa vista como “milagre” insondável. Sinceramente não quero padronizar a minha cria. Quero que ela seja uma alegre e estridente novidade, uma clareira do ser, diria com Heidegger, somente “verdadeira” (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">aletheia</i>) porque há uma região desse mesmo ser que constantemente se esconde, que não se mostra totalmente. Um pouco ao modo como termina Freud a sua reflexão sobre o princípio de prazer pela mão de Rückert: “Aquilo a que não podes chegar voando, podes alcançar coxeando… As Escrituras dizem-nos que não é pecado coxear.”</span></span></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgn29vMXbuFS1X4GCe2_mg4Zcb0CpXNfpj-qoyMQgX0ZLQk_jUvNNOlw9iZJyf698oTXJA1CmrO09oyqHUx88xE3ORuWMIEtfnaZEBchhCQ6Sk7Of0nkt8T24Jfc87IUDAc0LtXI_6Y1-7R/s1600/Time.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" hda="true" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgn29vMXbuFS1X4GCe2_mg4Zcb0CpXNfpj-qoyMQgX0ZLQk_jUvNNOlw9iZJyf698oTXJA1CmrO09oyqHUx88xE3ORuWMIEtfnaZEBchhCQ6Sk7Of0nkt8T24Jfc87IUDAc0LtXI_6Y1-7R/s320/Time.jpg" width="241" /></a></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>Ana Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3931633348452706196.post-38733273209777492522011-11-15T19:40:00.001-08:002011-11-15T19:54:44.373-08:00Slavoj Žižek ou a enxada do pensar<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-weight: bold;"><span style="font-family: Calibri;">Žižek é um filósofo com um nome difícil (não sei ainda se o pronuncio bem ou mal) que tem tomado muitas das minhas horas de estudo “filosófico”. Um autor desconstrutor, provocador, sem deixar de ser “racional”. Contemporâneo sem deixar de responder aos desafios sapientes da modernidade. Do seu mais recente livro, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Viver no Fim dos Tempos</i>, há uma passagem que gostaria de partilhar e comentar:</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">“Este livro é um livro de <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">combate</b>, de acordo com a definição admirável e fundamental de Paulo: “Porque não lutamos contra a carne e o sangue, mas contra os príncipes, contra as autoridades, contra os que governam este mundo [kosmokratoras] de trevas e contra os espíritos do mal que estão nos céus” (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Efésios</i> 6: 12). Ou, traduzido na linguagem de hoje: “A nossa luta não é contra este ou aquele indivíduo corrupto, mas contra a generalidade dos que ocupam o poder, contra a sua autoridade, contra a ordem global e a mistificação ideológica que a sustenta.” Travar esta luta significa aprovar a fórmula de Badiou: mieux vaut un désastre qu’un désêtre [“<b style="mso-bidi-font-weight: normal;">mais vale um desastre do que um des-ser</b>”] - mais vale um Acontecimento-Verdade, ainda que este acabe em catástrofe, do que vegetarmos na sobrevivência sem acontecimentos hedonista e utilitarista daqueles a que Nietzsche chamava os “últimos homens”. O que Badiou rejeita é, portanto, <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">a ideologia liberal da vitimização</b>, com a sua redução da política a um programa de evitar o pior, de renunciar a todos os projetos positivos e de escolher a opção menos má. Quanto mais não seja porque, como um autor judeu vienense, Arthur Feldmann, fazia notar, a vida é o preço que, em geral, pagamos pela sobrevivência.”</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-family: Calibri;">Sublinhei algumas passagens desta epígrafe: <strong>combate; desastre; des-ser; ideologia liberal da vitimização</strong>; mas não começarei por elas. Começo pelo título desta introdução: <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">“Os espíritos do mal que estão nos céus”</b>. Fazem-me silensiosamente lembrar o título de um livro de Fabrice Hadjadj que li há pouco tempo: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A fé dos demónios</i>. Os demónios têm fé e muita. Sabem inclusive as <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Escrituras</i> na ponta da língua, para melhor delas se servirem, ao tomar como exemplo a provação bíblica de Jesus Cristo no deserto. O mal conhece o bem, sabe que há uma outra face mais inteira, mais íntegra e, por isso, mais custosa de alcançar… </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-weight: bold;"><span style="font-family: Calibri;">Žižek é um autor profundo e profuso. Porque é capaz de ser altamente intelectual sendo consistentemente analisador do real, do quotidiano, de “descer” ao lugar onde a vida humana se dá, acontece, importa, onde se propaga cada vez mais o “des-ser”. Há, tanto quanto julgo entender, um objetivo claro em todos os seus livros: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">desmascarar</i>. Tirar máscaras, as dele e as nossas… Na sua simplicidade intelectual reitera: “o capitalismo funciona cada vez mais como a institucionalização da inveja”. Essa é a sua funcionalidade: transformar a política em bio-política, esquecer os velhos <b>combates </b>ideológicos em prol da providência, da sobrevivência das vidas humanas: do querer, poder, ter, sentir, possuir, usufruir, gozar cada vez mais… sem freio, sem limites, sem fronteiras.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-weight: bold;"><span style="font-family: Calibri;">Pensar o limite do ser humano é algo que não fazemos de ânimo leve. Esquecemo-nos demasiadas vezes que existe uma fronteira que demarca o que podemos e o que não podemos fazer. Uma reflexão que relembra o trabalho da deusa Atena nas palavras de Martin Heidegger: delimita, demarca. Diz que há um risco que não podemos pisar. Mas pisamos e repisamos, sem pensar, a cada dia que passa. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-weight: bold;"><span style="font-family: Calibri;">É, portanto, nessa escassez de pensamento ou de exame - pois tal como disse um dia Sócrates, o filósofo, “uma vida não examinada, não vale a pena ser vivida” -, que o capitalismo funda e inaugura a dialética humana inveja-vitimização (<b>ideologia liberal de vitimização</b>, diz Žižek). Olho e quero ter também o que o outro tem. Se não tenho vitimizo-me, sou “coitadinha” e sem essa possibilidade de alcançar o que os outros alcançam, invejo-os. Não somos capazes de mais-ser. De um esforço e trabalho complementares que permitam o caminho da inveja ao altruísmo. Do “des-ser” de Badiou à “moral impessoal” de Nagel, por exemplo. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-weight: bold;"><span style="font-family: Calibri;">Explico melhor. </span></span><span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-weight: bold;">Na obra <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A possiblidade do altruísmo</i> Nagel partilha connosco uma convicção, que mais do que uma convicção é, a meu ver, um dilema moral dos mais acentuados. Partilha-o deste modo: </span><span class="commentbody"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">"Posso não me preocupar com o facto de que o dinheiro que pago por uma refeição de três pratos permitiria que outra pessoa completasse uma coleção de selos, construísse um monumento ao seu deus ou tirasse alguns dias de folga, mesmo que essas coisas tenham mais importância para ela que a refeição para mim. Mas não posso ser igualmente indiferente ao facto de que esse dinheiro poderia salvar alguém de subnutrição, da malária ou talvez, de forma mais indireta, do analfabetismo ou da prisão sem julgamento." </span></span></span><span class="commentbody"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">A convicção de Nagel desoculta um dos dilemas morais mais exigentes da nossa época. Dilema que exige de nós. E de facto estamos tão pouco habituados a reconhecer valor a conceitos como obrigação, exigência, autoridade que vamos preferindo a todo o momento a liberdade como libertinagem, o direito como interesse, o indivíduo como isolamento de si. Por isso Nagel argumenta a favor de uma “moral impessoal”. Um ponto de vista do indivíduo que é seu, mas que também não o é. Explica, portanto, a estrutura dessa moral impessoal como a capacidade do ser humano se abstrair de si mesmo e chegar aos outros, despersonalizando-se, sendo nessa abstração menos eu, menos si próprio. Despindo-se de si… O argumento de Nagel tem então uma sintonia com Kant. Tem como ponto de referência e de saída a universalidade. Mais uma vez moralidade e humanidade coincidem. Pessoalidade e impessoalidade cultivam-se a par, embora a segunda seja muito mais forçada, necessitada de empenho e de esforço, tendo em conta sempre uma ressalva: “sendo quem somos não podemos ir totalmente além de nós mesmos.” </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span class="commentbody"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">Contudo, e se naufragámos, diz </span></span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-weight: bold;">Žižek, no ponto-zero da sociedade, haverá ainda “possibilidade” para o altruísmo exigido por Nagel? Não andarão os demónios inteligentes (os detendores do poder) a dominar demasiadamente o céu (o mundo) para conseguirmos responder a este desafio?</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-weight: bold;">Žižek furta a sua resposta a um caminho. Ao caminho da passividade, da diminuição, do hedonismo, das decisões “melhores” que o capitalismo inventa para evitar o pior, a catástrofe, a destruição. O caminho do filósofo não é o da universalidade, da impessoalidade, como em Nagel por exemplo.</span><span class="commentbody"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span class="commentbody"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">O seu trilho é o da singularidade, da autonomia, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">a fortiori</i>, da exclusão. Nesse trilho, se ele for acontecimento-verdadeiro, “nosso”, dá-se a catástrofe, a destruição maciça da massificação do capitalismo, como resposta ao des-ser ou ao deixar de ser humano no mundo. Pensar-alerta. O que acontece dentro de nós deve ser a verdade, diz Badiou, deve mostrar um ser cultivado e não dissimulado, cultivado pelo pensar, pelo julgar que examina a ação. Mais vale excluir, apontar o dedo ao que está mal, do que incluir valores diminuídos e apoucados como o da passiva tolerância multicultural que se expressa no argumento “deixem-nos a nossa cultura” apesar de ela ser altamente segregadora tal como podem assistir na televisão à hora do jantar... Lembram-se: “mais vale um desastre do que um des-ser”, ou seja, uma mudança excludente de paradigma do que um ser humano abafado pelo flacidez do mundo. </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span class="commentbody"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">Comecei com </span></span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-weight: bold;">Žižek, termino com ele: </span></span><span class="commentbody"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;">“Quando nos são mostradas imagens de crianças que morrem de fome em África, incitando-nos a que façamos qualquer coisa para as ajudar, a mensagem ideológica subentendida é do género: “Não pense, não politize, esqueça as causas da miséria, aja, contribua com o seu dinheiro, de modo a não ter de pensar!” Rousseau compreendera já perfeitamente a má-fé dos admiradores multiculturalistas das culturas alheias, quando, no <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Émile</i>, nos alertava contra o filósofo que ama os tártaros para se dispensar de amar o seu vizinho mais próximo.” </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span class="commentbody"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">O problema moral fulcral está na proximidade, não na universalidade. Poderia teologicamente apelar à máxima “ama o teu próximo como a ti mesmo”, contudo, não o farei. Faço somente apelo à convicção aristotélica: “</span></span><span style="color: black; font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">é<span style="letter-spacing: 0.7pt;"> </span>a<span style="letter-spacing: 0.7pt;"> </span>partir<span style="letter-spacing: 0.7pt;"> </span>do<span style="letter-spacing: 0.65pt;"> </span>amor<span style="letter-spacing: 0.65pt;"> </span>por<span style="letter-spacing: 0.7pt;"> </span>si<span style="letter-spacing: 0.7pt;"> </span>próprio<span style="letter-spacing: 0.7pt;"> </span>que<span style="letter-spacing: 0.65pt;"> </span>todas<span style="letter-spacing: 0.7pt;"> </span>as<span style="letter-spacing: 0.7pt;"> </span>disposições de<span style="letter-spacing: 1.35pt;"> </span>afeição<span style="letter-spacing: 1.35pt;"> </span>e<span style="letter-spacing: 1.35pt;"> </span><span style="letter-spacing: 0.05pt;">a</span><span style="letter-spacing: -0.1pt;">m</span>or<span style="letter-spacing: 1.35pt;"> </span>se<span style="letter-spacing: 1.35pt;"> </span>estendem<span style="letter-spacing: 1.2pt;"> </span>depois<span style="letter-spacing: 1.35pt;"> </span>t<span style="letter-spacing: 0.05pt;">a</span><span style="letter-spacing: -0.1pt;">m</span>b<span style="letter-spacing: 0.1pt;">é</span>m<span style="letter-spacing: 1.25pt;"> </span><span style="letter-spacing: 0.1pt;">a</span>os<span style="letter-spacing: 1.3pt;"> </span>outros</span><span class="commentbody"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">”. Ninguém é capaz de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">philia</i> sem <i style="mso-bidi-font-style: normal;">philotimia</i>. De amor sem amor-próprio. De justiça sem si-próprio. Estes terrenos movediços da singularidade, </span></span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-weight: bold;">Žižek escava-os pelo pensar e ilumina-os pelo dizer numa via sempre freudiana: a da sublimação. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3iF1Bzr1YCKUfOieHP_oKSTfPUMQ56_ui4Y4hZuvzDiwBavIj6dR4XIpZsml12RnDdT07-J-o1wNl5pz6Ljr6gPIbO9vRKu_SWeJfmlimFHqhJg3dq_cFFuZX7AsVSi9aFJL_ZiX3-kKr/s1600/Heinrich+Hoerle+M%25C3%25A1scaras+1929.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="223" nda="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3iF1Bzr1YCKUfOieHP_oKSTfPUMQ56_ui4Y4hZuvzDiwBavIj6dR4XIpZsml12RnDdT07-J-o1wNl5pz6Ljr6gPIbO9vRKu_SWeJfmlimFHqhJg3dq_cFFuZX7AsVSi9aFJL_ZiX3-kKr/s320/Heinrich+Hoerle+M%25C3%25A1scaras+1929.png" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
Heinrich Hoerle, <em>Máscaras</em>, 1929</div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">
<span class="commentbody"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span></span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-weight: bold;"></span></div>Ana Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-3931633348452706196.post-62928626751105869842011-10-23T14:51:00.000-07:002011-10-23T15:19:59.696-07:00A filosofia é perigosa? É, e é bom que seja!<span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Numa obra elementar de introdução ao trabalho filosófico, Karl Jaspers diz o seguinte acerca dessa “deusa”, inicialmente grega, mais próxima de Atena do que de Afrodite, a filosofia:<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span><br />
<span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><br />
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">“Por uma questão de respeito pela tradição, é-se polido com a filosofia, mas, lá no fundo, não se lhe liga nada. A ideia feita é a de que ela não serve para coisa nenhuma. Podemos mesmo perguntar se ela não é já qualquer coisa de residual. Esta antipatia é visível em fórmulas como: a filosofia é demasiado complicada; não percebo nada; andam nas nuvens; isso são questões para especialistas; não tenho inclinação nenhuma para aquilo; é coisa que não me atrai minimamente. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Esta oposição pode revelar-se obstinada. Um instinto vital, oculto a si mesmo, odeia a filosofia. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Ela é perigosa</b>. Se eu viesse a compreender alguma coisa, por pouco que fosse, isso implicava que eu “mudasse de vida”. Ver-me-ia com um outro estado de espírito, olharia para muitas coisas de um ponto de vista diferente, sentir-me-ia na necessidade de rever todas as minhas ideias. Filosofia?, nem pensar!</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Segue-se o coro dos críticos que querem substituir a filosofia, coisa <i style="mso-bidi-font-style: normal;">demodé</i>, por qualquer outra coisa nova, verdadeiramente fraturante! Aliás, eles sabem que se não tiverem a filosofia por perto, o seu trabalho rende mais… É possível, em paz e sossego, trabalhar na manipulação das massas. É urgente impedir que as pessoas pensem pela própria cabeça. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">As convenções, o hábito de julgar que o bem-estar material é razão necessária e suficiente do bem viver, a vontade ilimitada do poder, o fanatismo das ideologias, o compadrio dos políticos, tudo isto se revela na anti-filosofia. Esta gente não se apercebe disso porque não o compreende. Eles não se dão conta de que a sua anti-filosofia é em si mesmo uma filosofia, só que uma filosofia pervertida. <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">O problema é, no fundo, o seguinte:</b> <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">a filosofia quer autenticidade nas coisas e eles não. Está visto, a filosofia incomoda mesmo!”</b></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Karl Jaspers, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Initiation à la méthode philosophique</i>, Payot, pp. 142-143. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Incomoda mesmo Jaspers? Incomoda pois, mas tem incomodado pouco. Ser menor, cómodo, passivo, encostado é tão mais fácil e universalizável, adaptável à fluência indistinta do mundo e da vida do que o trabalho do pensar, do “pôr-se a pensar”. Jaspers fala-nos da perigosidade da filosofia, da “canseira” que ela nos traz… Também Kant o sintetizou há muitos anos: “é tão cómodo ser menor”. É mesmo. Até para os filósofos. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">No entanto, é preciso referir que os textos de filosofia sobre a filosofia não são mais pensantes pela quantidade de obras que citam e divulgam, mas sim, e sobretudo, pela qualidade do pensar que tem em linha de conta a seguinte pergunta: afinal o refletir da filosofia incomoda ou não? Desestrutura, abala, ou não, a dissonância, o erro, a dúvida, o preconceito, o hábito, os <i style="mso-bidi-font-style: normal;">costumes</i>? </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Cabe, antes de responder à pergunta proposta, reiterar que ao conceito de filosofia agrega-se um outro, a ele geminado e inalienável: o conceito de crítica. Crítica que desprotege e põe à prova “<b style="mso-bidi-font-weight: normal;">as convenções, o hábito de julgar que o bem-estar material é razão necessária e suficiente do bem viver, a vontade ilimitada do poder, o fanatismo das ideologias, o compadrio dos políticos</b>.” E antes de apontar o dedo ao político e à sua elite economicista, apontemos primeiro a mão toda a nós próprios e pensemos o modo como vivemos, “sonhamos”, o nosso <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">bem-estar</b>. Será ele bem-viver? </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Reflitamos um pouco acerca da mais quotidiana das suposições: “E se me saísse o euromilhões?” Os olhos humanos brilham à mesa do café, do restaurante, à saída do Continente e aí, nesses lugares-comuns, desalinhavam-se sonhos: carros, casas, piscinas, relógios, joias… Caraíbas. A questão material impõe-se: será que posso ser vizinha do Cristiano Ronaldo? E aí tudo borbulha, torna-se mágico. Agora, e antes de irmos ao <i style="mso-bidi-font-style: normal;">compadrio político</i>, pensemos a primeira suposição dita de um modo completamente diferente, mais profundo talvez: “E se eu me tornasse melhor pessoa?” Os olhos humanos certamente deixariam de brilhar, a sobrancelha levantar-se-ia e esperaria-nos a seguinte questão: “O quê?” A questão da dúvida. As pessoas estranhariam a nossa atitude, poderiam não dizer, mas, certamente, pensariam à boa maneira alentejana: “Esta não passa cá outro Inverno!” E não passa, pelo menos não da mesma forma, vivendo da mesma maneira. Isto porque mudar a forma como olhamos o mundo e a vida, reconhecer que andamos a vivê-la em tom diminuído, é um dos passos fundamentais para que nos coloquemos dentro dela e a refletir sobre ela, em <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">autenticidade</b>, em profundidade, com outro estado de espírito. Outra “forma” na qual cozemos o nosso próprio bolo: o interior. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Ao início de cada ano letivo é este texto de Jaspers que apresento aos meus alunos como pórtico do que é a filosofia e de como a entendo. E um deles disse-me em tom convicto: “professora, o problema está no consumo, na forma desmedida como gastamos os nossos recursos ou não os tendo recorremos ao crédito.” E porquê, pergunto eu? Porque queremos a semelhança futura do que não somos: ricos, famosos, visíveis, invejados, sociáveis, desejáveis, no fundo, fazermos o que nos dá na real gana sem pensar nas consequências das nossas ações. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">E terá este estado de sítio humano – demasiadamente desumano - consanguinidade com o compadrio político? Tem, e tem muito. Esse ter de viver dimínuido na esperança da futura maximização da abundância, da riqueza, impossibilita a habitação humana do espaço público, e desvirtua-a num constante querer ser outro, não nós próprios. Vivemos além, não em si, não em nós. E é nessa utopia negativa de nós próprios que vamos anulando e relegando um “mudar de vida” ao ter na lembrança a música dos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Humanos</i>. Ao fim e ao cabo, os políticos aproveitam-se dessa perda da identidade pessoal, da autonomia dos seus cidadãos e cidadãs, e desgovernam-se a nós e a eles próprios. Quando nos tornamos escravos do consumo e incapazes de a ele reagir, confundimos bem-viver com bem-estar, ter muito, uma multidão, com ser pouco, no meio da multidão. A política como “governo de todos” torna-se política de muitos e, nesse horizonte, a crítica esvai-se no tagarelar banal das revistas cor-de-rosa: num estar e ser alguém que não somos, mas que desejamos ardentemente ser. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Pensar sobre a política torna-se demasiadamente exaustivo, faz mal à pele, exaure a nossa beleza. E o tempo que nos rouba? Enfim…</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">É por esta e outras razões que a filosofia é perigosa. Ela é perigosa e é bom que o seja. Ela imiscui-se no dado, no hábito, no que é costume fazer-se e dizer-se, nos preconceitos preguiçosos que em nós se entranham, consciente ou insconcientemente. Através do seu poder crítico dizemos: está mal, não é assim, muda lá essa maneira estreita de ser, sê de outra maneira. Transforma-te… transformemo-nos então pessoas e políticos dignos desse nome, movendo as regiões infernais (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">acheronta movebo</i>) que Sigmund Freud dizia ser, na abertura da sua <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Interpretação dos Sonhos</i>, o lado subterrâneo dos costumes que inconscientemente pautam a nossa vida quotidiana. Clarear é o trabalho “perigoso” do filósofo, mas é também uma vereda “salvífica” que se reveste de crítica e de convicção, numa palavra final jamais finalizada, de pensamento.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiliQzYFc0T6sR0_9RD6S_49m1DIPYUvithpn7X1FTfo4N8lvZzfY-0u2NnVk0SmTtEAylmtB8jo-GQ2fSMIe43rpPXOBFamByAnRIP6kn_5Fq6mnrNal5GND7n9VqvxY81nY5q4-TdGMI1/s1600/Frida+Kahlo.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" rda="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiliQzYFc0T6sR0_9RD6S_49m1DIPYUvithpn7X1FTfo4N8lvZzfY-0u2NnVk0SmTtEAylmtB8jo-GQ2fSMIe43rpPXOBFamByAnRIP6kn_5Fq6mnrNal5GND7n9VqvxY81nY5q4-TdGMI1/s320/Frida+Kahlo.bmp" width="268" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Frida Kahlo, 1949</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">The Love-Embrace of the Universe, the Earth (Mexico), Me, Diego and Senor Xólotl</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif;">Mexico City, Collection Jacques & Natasha Gelman</span></div>Ana Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3931633348452706196.post-18773328456239526292011-10-16T17:21:00.000-07:002011-10-16T17:24:57.946-07:00"Nocturno a duas vozes" de Eugénio de Andrade<div class="post-body"></div><div class="post-body" style="clear: both;"></div><div class="post-body"><span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;">- Que posso eu fazer <br />
senão beber-te os olhos <br />
enquanto a noite <br />
não cessa de crescer? <br />
<br />
- Repara como sou jovem, <br />
como nada em mim <br />
encontrou o seu cume, <br />
como nenhuma ave <br />
poisou ainda nos meus ramos, <br />
e amo-te, <br />
bosque, mar, constelação... <br />
<br />
- Não tenhas medo: <br />
nenhum rumor, <br />
mesmo o do teu coração, <br />
anunciará a morte; <br />
a morte <br />
vem sempre de outra maneira, <br />
alheia <br />
aos longos, brancos <br />
corredores da madrugada. <br />
<br />
- Não é de medo <br />
que tremem os meus lábios, <br />
tremo por um fruto de lume <br />
e solidão <br />
que é todo o oiro dos teus olhos, <br />
toda a luz <br />
que os meus dedos têm <br />
para colher na noite. <br />
<br />
- Vê como brilha <br />
a estrela da manhã, <br />
como a terra <br />
é só um cheiro de eucaliptos <br />
e um rumor de água <br />
vem no vento... <br />
<br />
- Tu és a água, a terra, o vento, <br />
a estrela da manhã és tu ainda. <br />
<br />
- Cala-te, as palavras doem. <br />
Como dói um barco, <br />
como dói um pássaro <br />
ferido <br />
no limiar do dia. <br />
Amo-te. <br />
Amo-te para que subas comigo<br />
à mais alta torre, <br />
para que tudo em ti <br />
seja verão, dunas e mar. </span></div><div class="post-body"><span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;"><br />
</span></div><div class="post-body"><span style="font-family: Georgia, "Times New Roman", serif;">Eugénio de Andrade (1987), <em>Poesia e Prosa [1940-1986]</em>, 3.ª edição aumentada, volume I, Lisboa, Círculo de Leitores, pp. 104-105. </span></div>Ana Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3931633348452706196.post-77608683152513197322011-10-15T18:17:00.000-07:002011-10-15T20:36:09.142-07:00Curiosidades óticas...<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBGaCiHa1rYG2plbBiivmtAYv1hWiOsI3mA-TKRmREcizHEUDW0HlfkPew4WwG5DLpNKImyig-1r3Hibt65psUozyTtCRqIo29qeqy4uR2XX9O0Lch25C5iVMo06E21tfnvjBDMbIgYcrr/s1600/Escher.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="272" oda="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBGaCiHa1rYG2plbBiivmtAYv1hWiOsI3mA-TKRmREcizHEUDW0HlfkPew4WwG5DLpNKImyig-1r3Hibt65psUozyTtCRqIo29qeqy4uR2XX9O0Lch25C5iVMo06E21tfnvjBDMbIgYcrr/s320/Escher.jpg" width="320" /></a></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Ontem à noite revi o filme <em>Inception</em> de Christopher Nolan (<a href="http://www.youtube.com/watch?v=66TuSJo4dZM&noredirect=1">http://www.youtube.com/watch?v=66TuSJo4dZM&noredirect=1</a>) e é curisosa a similitude que estabeleci entre o filme "revisto" e algumas das obras de Escher que tive o prazer de ver na galeria da Fundação Eugénio de Almeida há uns meses atrás. Ambos "falam" acerca da sublimidade de um inconsciente paradoxal, mas criador, aterrador, mas magnânimo. Capaz de nos fazer sucumbir ou salvar. </div>Ana Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3931633348452706196.post-8280964729036488472011-10-15T17:38:00.000-07:002011-10-15T18:43:46.551-07:00Porquê palavras inconjuntas?A nomeação deste blogue inspira-se nos <em>Poemas Inconjuntos</em> de Alberto Caeiro, especificamente num dos seus poemas "Criança desconhecida", o meu predileto: <br />
<br />
<div class="poem">"Criança desconhecida e suja brincando à minha porta, </div><div class="poem">Não te pergunto se me trazes um recado dos símbolos. </div><div class="poem">Acho-te graça por nunca te ter visto antes, </div><div class="poem">E naturalmente se pudesses estar limpa eras outra criança, </div><div class="poem">Nem aqui vinhas. </div><div class="poem">Brinca na poeira, brinca! </div><div class="poem">Aprecio a tua presença só com os olhos. </div><div class="poem">Vale mais a pena ver uma cousa sempre pela primeira vez que conhecê-la, </div><div class="poem">Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez, </div><div class="poem">E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar. </div><div class="poem"><br />
</div><div class="poem">O modo como esta criança está suja é diferente do modo como as outras estão sujas. </div><div class="poem">Brinca! pegando numa pedra que te cabe na mão, </div><div class="poem">Sabes que te cabe na mão. </div><div class="poem">Qual é a filosofia que chega a uma certeza maior? </div><div class="poem">Nenhuma, e nenhuma pode vir brincar nunca à minha porta."</div><div class="poem"><br />
</div><div class="poem" style="text-align: justify;">Inspirada no <em>poetar</em> de Caeiro, sugiro assim pensar filosoficamente acerca do risco de nunca pensarmos nada absolutamente, isto é, com a pretensão do saber absoluto. Quando começamos algo, nunca começamos absolutamente e sim experiencialmente, relativamente a... A história é sempre o passado que nos diz quem somos e a filosofia diz-nos porque somos (e, também, porque deveríamos ser - melhores). Nesse risco reside, todavia, a possibilidade do saber filosófico. Um saber lançado para o que "há": para a poesia, a pintura, a política, a religião, o conhecimento, a tecnologia, no fundo, para o ser humano, o seu grande universal, embora "universal finito". E há bem pouco tempo numa conversa com um colega sobre o estatuto e o lugar da filosofia no mundo ele dizia-me "em filosofia nunca podemos escapar ao rigor das categorias" e eu concordei, mas ripostei: também nunca podemos furtar-nos à circunstancialidade do mundo, sair de si sem sermos acusados de solitários ou alienados (embora essa solidão ou alienação possa ser voluntária). </div><div class="poem" style="text-align: justify;">Uma das características fundamentais da filosofia é a sua tarefa radical em determinar algo conceptualmente, construir ou desconstruir ideias, analisando-as. Erradicar a dissonância, o preconceito, o erro, a dúvida pela lógica argumentativa do pensar procurando, nesse caminho, as várias "clareiras do ser" que se nos apresentam. Aqui Descartes e Heidegger não estão tão longe quanto advogamos. A filosofia determina, mas também prova, provoca. Não no sentido científico, mas sim vivencial. Quando digo que o pensar é uma provação é porque ele nos incita a prescrutar uma determinada realidade não certa e sim ilógica. Platão dizia num dos seus diálogos, <em>Teeteto</em>, que a filosofia nasce do espanto e eu acrescento: nasce de um espanto <em>maravilha</em> ou <em>revolta,</em> tanto no sentido positivo como negativo. O que ainda não é nosso, dá que pensar. O que ainda não sabemos, espanta-nos: sentimo-nos maravilhados ou revoltados com (com esse algo que a filosofia constrói ou desconstrói). </div><div class="poem" style="text-align: justify;">Por isso, Caeiro diz "vale mais a pena ver uma coisa pela primeira vez do que conhecê-la". Conhecê-la é ter ouvido contar. É apenas encadeamento, mostração, determinação pensante. É averiguar o que nos aparece, é conhecimento "contado". Em minha opinião, e de acordo com Caeiro, o poeta mais "anti-filosofia" por mim conhecido, o saber filosófico é também e ainda de outra ordem: da ordem do mundo, do quotidiano, da ação. O quotidiano é o seu laboratório, a vida real o seu campo de estudo. Senão não faria sentido dizer, por exemplo, que a ética é a moral pensada sobre a moral vivida e que o pensar se configura na imagem da provação. Um saber que é posto à prova porque questiona a realidade, julga-a, nas figuras da humanidade ou da desumanidade. E aí, neste último momento, reside a sua revolta, o seu descontentamento, um dos "principiares" da sua reflexão: o da <em>revolta </em>sim, não o da maravilha que toca o belo e o sublime. Saber o que é a filosofia, o seu sentido vivencial, é nunca esquecer as seguintes palavras de Ortega y Gasset no seu texto "Ensimismamiento y alteración": "enquanto o tigre não pode deixar de ser tigre, não pode destigrar-se, o homem vive em risco permanente de se desumanizar: ao homem sucede-lhe às vezes não ser homem". Este é um dos riscos sobre os quais a filosofia reflete, pensa, e de que dá provas em prol da humanização. É um trabalho de vigília, diria o meu amigo. É um trabalho de provação. </div>Ana Carina Vilareshttp://www.blogger.com/profile/13404374855373577217noreply@blogger.com0