Paula Rego, À janela, 1997
"Nas estações de comboios do centro,
por onde passam os do norte a caminho do sul, os do sul
a caminho do norte, os de leste para oeste e
os de oeste para leste, e todos em toda
e nenhuma direcção, vendem-se jornais de todas
as línguas possíveis. Volto os escaparates
para ver os títulos, toco nos papéis, entre
os bons e os maus, os ricos e os pobres, os que
trazem suplementos e os que se limitam a poucas
páginas de informação e anúncios: e cada um
desses jornais é um mundo, vidas a que nunca terei acesso,
histórias que começam e acabam numa coluna
interior, em meia dúzia de linhas. Sei, no entanto
que o amor e a morte, apesar das línguas diferentes,
são os mesmos em cada uma dessas notícias; que
as tragédias e as alegrias se contam com o mesmo
estilo, e só o título dá ênfase à emoção
que desaparece com a leitura. Não preciso, por isso,
de ler todos os jornais, de uma ponta à outra,
nem de saber todas as línguas do mundo, para conhecer
a realidade do homem. No entanto, ao rodar
os escaparates, sem olhar de facto o que eles mostram,
apenas para misturar emoções e frases, palavras
e imagens, faço rodar um dia inteiro, sem saber porquê
ou apenas porque é esse, finalmente,
o movimento do mundo."
Nuno Júdice, O movimento do mundo, p. 120.