domingo, 1 de abril de 2012

Poema Verniz - Mia Couto



Canção Meridional, Giorgio de Chirico



"No degrau da rua,
a moça pinta as unhas.

Dobrado em lua,
seu corpo tem a delicada intenção do ourives:
na decimal tela das mãos
inventa lábios
que o destino virá beijar.

Fadigosa obra,

tão incontáveis os dedos da vaidade.

A moça demora-se
mais que a derradeira luz
e as velhas passam e benzem-se,
limpando lembranças
de suas primeiras mãos.

Afinal, não é o corpo
o que a menina pinta.

O verniz vermelho,
como salpicados coágulos.
lhe amortalha o gesto.

Debaixo da tinta
uma morte se oculta:
a sua,
da menina tão menina
que nem precisava de ser linda."

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