sábado, 11 de agosto de 2012

Antes da Partida

   Paula Rego, À janela, 1997


"Nas estações de comboios do centro,

por onde passam os do norte a caminho do sul, os do sul

a caminho do norte, os de leste para oeste e

os de oeste para leste, e todos em toda

e nenhuma direcção, vendem-se jornais de todas

as línguas possíveis. Volto os escaparates

para ver os títulos, toco nos papéis, entre

os bons e os maus, os ricos e os pobres, os que

trazem suplementos e os que se limitam a poucas

páginas de informação e anúncios: e cada um

desses jornais é um mundo, vidas a que nunca terei acesso, 

histórias que começam e acabam numa coluna

interior, em meia dúzia de linhas. Sei, no entanto

que o amor e a morte, apesar das línguas diferentes, 

são os mesmos em cada uma dessas notícias; que

as tragédias e as alegrias se contam com o mesmo

estilo, e só o título dá ênfase à emoção

que desaparece com a leitura. Não preciso, por isso,

de ler todos os jornais, de uma ponta à outra, 

nem de saber todas as línguas do mundo, para conhecer

a realidade do homem. No entanto, ao rodar 

os escaparates, sem olhar de facto o que eles mostram, 

apenas para misturar emoções e frases, palavras

e imagens, faço rodar um dia inteiro, sem saber porquê

ou apenas porque é esse, finalmente, 

o movimento do mundo."


Nuno Júdice, O movimento do mundo, p. 120.